domingo, 3 de janeiro de 2010

1471) “Roliúde” (30.11.2007)




Certos memes são contagiosos. Já não basta Wills Leal ter transformado nossa próspera Cabaceiras, cenário preferencial para tantos filmes brasileiros, na “Roliúde Nordestina”, surge agora este divertido romance de Homero Fonseca (Record, 2007), auto-descrito como “Um romance picaresco, aventuroso e cinematográfico”. 

O livro conta a história de Bibiu, cuja profissão principal (entre as muitas que exerce) é de “contador de filmes”. A arte de contar filmes é um dos ramos menos lembrados da literatura oral, e só isto bastaria para justificar a existência do romance. Assim como sempre foi uso, no universo da literatura de cordel, a pessoa alfabetizada ler o folheto em voz alta para os iletrados, também sempre existiu (pelo menos onde eu vivia) o hábito de quem tinha dinheiro, ou tinha mais de 18 anos, assistir um filme e depois contá-lo para um grupo que não tinha.

Bibiu é um herói cordelesco em mais de um sentido, porque salta da ociosidade para o sub-emprego, deste para a pirangagem, e desta para ofícios informais como camelô, homem-da-cobra, apresentador de Circo. 

Vira evangélico para ganhar uma moça, vira corintiano ao se mudar para São Paulo, quase vira comunista, quase vai lutar na Europa na II Guerra Mundial – o que não o impede de escrever cartas para a mãe dizendo que está em Berlim, e que matou Hitler, com o resultado de ser recebido em Caruaru como herói de guerra. 

Nas aventuras de Bibiu misturam-se histórias originais e peripécias que qualquer nordestino reconhece de anedotas de mesa de bar ou de casos pretensamente verídicos que ocorreram com o irmão do noivo de uma prima, ou coisa equivalente.

Bibiu escala a Serra do Mimoso com a intenção de caçar extraterrestres e exibi-los no Gran Circo Torrone, dançando o xaxado. Bibiu contribui de maneira decisiva e involuntária para o triunfo da Revolução de 30. Bibiu come uma flor em praça pública para conquistar uma namorada difícil. 

Os capítulos começam com frases taxativas como “Foi no Exército que eu aprendi a ter horror a hierarquia e repolho”, ou “A morte do presidente Franklin Delano Roosevelt causou um fuzuê danado em Tejipió”. A biografia de Bibiu cruza os meados do século 20, enquanto, em capítulos intercalados, ele conta num nordestinês atochado de termos regionalistas os grandes clássicos do cinema, como No Tempo das Diligências, Casablanca, Sansão e Dalila, O Ébrio, E o vento levou, A Dama das Camélias”, Aviso aos Navegantes, etc.

São as décadas da modernização e americanização do Brasil, vistas pelos olhos de um primo em segundo grau de Cancão de Fogo e em terceiro grau de Quaderna. Bibiu conta os filmes ao seu modo: resume a ação, comenta o caráter dos personagens, põe na boca das estrelas o linguajar e as gírias do Mercado São José. 

Como ele mesmo diz, ao ecoarem os derradeiros pipôcos da II Guerra Mundial: “No fim das contas, quem invadiu o Recife não foram os alemães, não. Foram os americanos”.






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