(Woody Guthrie)
Na recente entrevista que fez para o Fantástico com Ariano Suassuna, o repórter Geneton Moraes Neto perguntou mais uma vez ao autor da Pedra do Reino o que ele achava de Madona e de Michael Jackson. Digo "mais uma vez" embora não saiba se Geneton já lhe tinha feito esta pergunta. É possível que não, e que não quisesse ser o último jornalista brasileiro a fazê-la. A impressão que eu tenho é de que todo mundo que entrevista o escritor a faz. Por quê? Em primeiro lugar (acho) porque jornalistas pensam que um indivíduo inteligente tem sempre alguma coisa inteligente a dizer sobre um assunto pelo qual não se interessa nem um pouco. Daí ficarem perguntando a atores de cinema o que eles acham da Guerra no Iraque, ou a socialites o que elas acham das pesquisas de célula-tronco.
Em segundo lugar, porque existe um prazer perverso nos entrevistadores em exibir as limitações do entrevistado. Ariano dedicou pouquíssimo tempo de sua vida ao estudo da música pop norte-americana, se é que dedicou algum; e não tem interesse pelo contexto industrial-cultural que a produziu. Dificilmente terá algo de original a dizer a respeito, não porque lhe falte inteligência, mas por absoluta falta de identificação com o assunto. Fico pensando se Guimarães Rosa já teve que dar opinião sobre a música de Little Richard, e se alguém já perguntou a João Cabral de Melo Neto se ele gostava do som de James Brown.
Em terceiro lugar, existe nos jornalistas a atração irresistível pela opinião sincera, dita de maneira curta e grossa. "Detesto. Acho uma idiotice. Não vale nada." Estas expressões são cada vez mais raras na indústria cultural, onde ninguém tem coragem de dizer em público o que pensa do trabalho dos colegas, e deixa para dizê-lo "em off", alimentando as revistas de fofocas. Diante dos microfones, todo mundo gosta de tudo, para não se comprometer. As entrevistas e debates viram uma rasgação-de-seda permanente onde o entrevistado desmancha-se em elogios que soam tão falsos quando as promessas dos políticos ou os elogios da propaganda. Quando aparece um sujeito que diz que não gosta, os entrevistadores se assanham. Não porque estejam a favor do não-gostador ou do não-gostado, mas porque o "não-gostar" é notícia. Tanto é assim que há também os não-gostadores profissionais, os sujeitos que só dão entrevistas falando mal de todo mundo e descendo a ripa no trabalho alheio. Toda regra serve de adubo às próprias exceções.
Se os jornalistas gostam tanto de música americana, por que não perguntam a Ariano sobre a música de Woody Guthrie, o cantador de esquerda que viajou o país inteiro durante a Grande Depressão, cantando e compondo para mineiros, lavradores, operários? Guthrie é tão representativo da América quanto Madona, ou mais. Pode ser que Ariano nunca tenha ouvido as músicas dele; pode ser até que os próprios jornalistas conheçam melhor o "corpus" da obra musical de Madonna do que as canções de Woody Guthrie. O que nos diz coisas interessantes sobre este Brasil tão pressuroso em tomar as dores da música americana.
Na recente entrevista que fez para o Fantástico com Ariano Suassuna, o repórter Geneton Moraes Neto perguntou mais uma vez ao autor da Pedra do Reino o que ele achava de Madona e de Michael Jackson. Digo "mais uma vez" embora não saiba se Geneton já lhe tinha feito esta pergunta. É possível que não, e que não quisesse ser o último jornalista brasileiro a fazê-la. A impressão que eu tenho é de que todo mundo que entrevista o escritor a faz. Por quê? Em primeiro lugar (acho) porque jornalistas pensam que um indivíduo inteligente tem sempre alguma coisa inteligente a dizer sobre um assunto pelo qual não se interessa nem um pouco. Daí ficarem perguntando a atores de cinema o que eles acham da Guerra no Iraque, ou a socialites o que elas acham das pesquisas de célula-tronco.
Em segundo lugar, porque existe um prazer perverso nos entrevistadores em exibir as limitações do entrevistado. Ariano dedicou pouquíssimo tempo de sua vida ao estudo da música pop norte-americana, se é que dedicou algum; e não tem interesse pelo contexto industrial-cultural que a produziu. Dificilmente terá algo de original a dizer a respeito, não porque lhe falte inteligência, mas por absoluta falta de identificação com o assunto. Fico pensando se Guimarães Rosa já teve que dar opinião sobre a música de Little Richard, e se alguém já perguntou a João Cabral de Melo Neto se ele gostava do som de James Brown.
Em terceiro lugar, existe nos jornalistas a atração irresistível pela opinião sincera, dita de maneira curta e grossa. "Detesto. Acho uma idiotice. Não vale nada." Estas expressões são cada vez mais raras na indústria cultural, onde ninguém tem coragem de dizer em público o que pensa do trabalho dos colegas, e deixa para dizê-lo "em off", alimentando as revistas de fofocas. Diante dos microfones, todo mundo gosta de tudo, para não se comprometer. As entrevistas e debates viram uma rasgação-de-seda permanente onde o entrevistado desmancha-se em elogios que soam tão falsos quando as promessas dos políticos ou os elogios da propaganda. Quando aparece um sujeito que diz que não gosta, os entrevistadores se assanham. Não porque estejam a favor do não-gostador ou do não-gostado, mas porque o "não-gostar" é notícia. Tanto é assim que há também os não-gostadores profissionais, os sujeitos que só dão entrevistas falando mal de todo mundo e descendo a ripa no trabalho alheio. Toda regra serve de adubo às próprias exceções.
Se os jornalistas gostam tanto de música americana, por que não perguntam a Ariano sobre a música de Woody Guthrie, o cantador de esquerda que viajou o país inteiro durante a Grande Depressão, cantando e compondo para mineiros, lavradores, operários? Guthrie é tão representativo da América quanto Madona, ou mais. Pode ser que Ariano nunca tenha ouvido as músicas dele; pode ser até que os próprios jornalistas conheçam melhor o "corpus" da obra musical de Madonna do que as canções de Woody Guthrie. O que nos diz coisas interessantes sobre este Brasil tão pressuroso em tomar as dores da música americana.