Esta é uma das frases mais úteis e mais perigosas que a gente escuta na vida, principalmente quando é jovem.
A gente está discutindo um assunto qualquer e aí um sujeito mais velho e mais bem informado diz: “Ah, você nunca leu Fulano de Tal? Precisa ler. Tem tudo a ver com isso que você está dizendo”.
Aluno relapso no colégio, sempre fui bom estudante fora dele, e quando ouvia algo assim corria para a biblioteca mais próxima. Claro que esse procedimento me trouxe revelações e decepções em igual medida. Recomendar autores é sempre um tiro no escuro. A gente nunca pode garantir que a reação química necessária vai acontecer – mas afinal, não custa nada.
Recomendações ao contrário (“Não leia!”) também têm peso, e às vezes podem nos trazer prejuízos. Quando eu tinha 21 anos, conversando sobre psicologia com meu guru João Bigode, ele se saiu com esta pérola: “Politicamente, Freud é o centro na psicologia, sendo que Reich é a esquerda e Jung a direita”.
Não sei se João ainda assinaria embaixo desta fórmula tão audaciosa, mas ela despertou meu interesse por Wilhelm Reich, que aliás nunca consegui ler, devido ao seu estilo invulnerável. Foram precisos quase dez anos para que eu aceitasse abrir um livro de Jung, e depois que comecei não parei mais. Será que sou de direita?
O problema das recomendações é que elas são feitas na direção errada. Devemos recomendar aos amigos o extremo oposto do que eles são, para injetar um pouco de equilíbrio em suas vidas.
Se você tem um amigo que é tímido e moralista, não lhe deve aconselhar Jacques Maritain, e sim Henry Miller. Se você conhece uma moça pragmática, dedicada aos aspectos políticos-ideológicos da vida, nada de Simone de Beauvoir; dê-lhe as contemplativas como Cecília Meireles ou Emily Dickinson. Ajuda a ampliar-nos os horizontes, a não afundar na mesmice.
“Leia Fulano de Tal!” Nunca vamos saber se aquilo vai ser útil ao nosso interlocutor.
Tenho amigos que leram Charles Bukowski e levaram uma década para recompor o fígado e retomar uma vida normal. O contato precoce com os estruturalistas franceses é decerto responsável pela epidemia de opacidade que se alastrou na vida acadêmica brasileira nas últimas décadas.
Alguns autores de estilo marcante grudam-se a nossa mente e é quase impossível livrar-nos deles: Fernando Pessoa e Clarice Lispector são dois exemplos notórios, que retornam para malassombrar as novas gerações, de dez em dez anos. Quando vejo alguém invadido por estes espíritos, recomendo doses maciças de Brecht e Hemingway.
Temos que escolher autores e livros baseados na confiança no poder terapêutico do Acaso, nos relâmpagos instintivos que nos sussurram palpites, e nas cadeias de associações de idéias que são a química profunda da Cultura. Portanto, não me peçam recomendações. O remédio que cura meus achaques pode lhes provocar crise alérgica. O acepipe que me deleita o paladar pode ser-lhes um bate-entope intragável.