quarta-feira, 22 de julho de 2009

1165) O Mostrador de Sombras (7.12.2006)





Existe algo de inesgotavelmente fascinante no cinema fantástico em preto-e-branco feito entre as décadas de 1910 e 1920. Os teóricos do cinema antigo estavam certos quando diziam que o cinema em preto-e-branco era mais verdadeiro do que o cinema a cores. 

“Como?!”, perguntarão os Observacionistas, aquele que se limitam a constatar o imediato; “o mundo é colorido!” Para estes, o cinema preto-e-branco é menos realista porque é um Aquém, é algo que não conseguiu chegar a um ponto qualquer; ficou faltando. Eu poderia inventar um grupo oposto, os Megafísicos, para os quais o cinema mudo era um Mais Além, uma forma de ir direto à Essência das Coisas, desprezando (por uma bendita limitação técnica) características secundárias como o Som e a Cor.

O P&B é mais realista porque é mais completo: além de mostrar “o mundo de fora” transmite melhor o caráter meio onírico, meio alucinatório da experiência cinematográfica. 

Vi há pouco uma citação de D. G. Winston onde ele se refere a esta experiência como equivalente a pensamentos “que não surgem desde logo em nossa mente em forma de palavras, e que elas, portanto, não podem expressar adequadamente; pensamentos que é mais fácil para nós associar à cor, à composição e ao sentimento do que à sintaxe e à lógica”. Claro que onde ele diz “cor” podemos entender também as infinitas nuances de cinza do filme em P&B. 

Em todo caso, o crítico aponta para algo que acho importante: o caráter não-verbal da lógica cinematográfica, que muitas vezes deixamos de perceber porque a imensa maioria dos filmes que vemos é de natureza narrativa, e portanto atrelados à lógica verbal narrativa. Isso nos faz esquecer que as imagens podem se associar não pela lógica, mas pela combinação meio aleatória de tonalidades, de formas luminosas ou de movimentos. Uma narrativa abstrata feita com imagens figurativas, por assim dizer.

Já em 1916, o teórico Hugo Münsterberg dizia algo parecido: 

“O drama cinematográfico nos conta uma história humana suplantando as formas do mundo exterior, ou seja, espaço, tempo e causalidade, e ajustando os acontecimentos às formas do mundo interior, ou seja, atenção, memória, imaginação e emoção”. 

O diretor sente-se à vontade para romper com a lógica de espaço, tempo e causalidade, se isto servir à sua imaginação, ou para estabelecer uma relação de memória, e assim por diante.

A imagem cinematográfica fascinou estes teóricos dos primórdios do cinema pela fluidez com que se deixava manipular, seja no interior do quadro (pela luz, enquadramento, movimento dos atores ou da câmara, etc.) seja no próprio transcurso da sucessão de planos, através da montagem. 

Talvez somente hoje, com a extrema maleabilidade que a informação digital nos proporciona, estejamos vivendo um momento tão rico de possibilidades para a manipulação de imagens quanto o momento que foi vivido nos anos 1910-1920 por Griffith, Eisenstein, Dreyer, Fritz Lang e outros mestres do Primeiro Cinema.






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