Um clichê não é outra coisa senão uma frase original e inspirada que ganhou a adesão de todo mundo e passou a ser repetida todas as vezes que a ocasião se apresenta.
Epítetos transformam-se em clichê com facilidade, porque muitas vezes quem escreve não gosta de ficar repetindo o nome de alguém o tempo todo. Num artigo sobre Drummond, por exemplo, volta e meia a gente precisa substituir o nome dele por “o poeta de Itabira” ou “o autor de Boitempo”.
Jorge Luís Borges comenta a adjetivação usada por Homero (há exemplo famosos como “a dedirrósea Aurora”), expressões reiteradamente empregadas sem receio de cansar o leitor. Para Borges, elas acabam tornando-se tão funcionais e invisíveis quanto as preposições, “obrigatórios e modestos sons que o uso justapõe a certas palavras e sobre os quais não se pode exercer a originalidade. Sabemos que o correto é construir ‘andar a pé’ e não ‘por pé’. O rapsodo sabia que o correto era adjetivar ‘divino Pátroclo’”.
O onze canarinho, a máfia de branco, o poeta da Vila, tudo isto são expressões que nos sentimos autorizados a utilizar para variar um pouco as sonoridades do nosso texto, ou para evocar instantaneamente no espírito do leitor uma idéia já cristalizada pelo hábito da leitura.
São atalhos, mas atalhos perigosos, porque indicam que o autor do texto não está prestando muita atenção nele, parece querer passar logo adiante, como um médico que pergunta o que o cara está sentindo e passa logo uma receita, sem pedir sequer que ele mostre a língua.
Expressões deste tipo usadas com freqüência num texto jornalístico o enfraquecem; num texto literário, só são desculpáveis em situações muito excepcionais (uso irônico, por exemplo; ou quando atribuídas a um personagem, para descrevê-lo através do seu jeito de falar).
O clichê se gruda com mais facilidade à mente de quem é obrigado a produzir quantidades caudalosas de texto escrito ou oral: jornalistas, políticos, locutores de futebol, professores. Quando você diz a mesma coisa algumas centenas de vezes, perde o interesse pela maneira como está dizendo. Prepara uma frase-feita, bota na roda, e segue em frente.
Existem os clichês sintáticos, que nada significam mas ajudam a encaixar as peças principais do discurso; coisas como (vide mais acima) “não é outra coisa senão”, “volta e meia”, etc.
Existem clichês descritivos como “o líder oposicionista”, “a bancada evangélica”, “as autoridades acadêmicas”. Nada disto faz mal; como dizia minha mãe, “sai na urina”, sem prejudicar o organismo.
O perigo, meus camaradas, é o clichê ideológico. As idéias pré-moldadas que recebemos e passamos adiante sem analisar a fórmula e ver do quê são compostas.
O processo democrático. A vontade popular. As raízes culturais. O direito à liberdade. A segurança nacional. A primazia da lei. As instituições republicanas. Eu tenho até medo de revirar pedras tão pesadas como estas, imaginando o que vou ver embaixo.