terça-feira, 6 de janeiro de 2009

0722) Dia de Bagdá em Londres (12.7.2005)


O atentado terrorista em Londres, semana passada, ocorreu num dia em que eu preparava, a pedido do “Correio Braziliense”, um artigo sobre a obra de H. G. Wells e o seu romance A guerra dos mundos (1898), cuja adaptação dirigida por Spielberg está em cartaz. Wells, um sujeito de classe inferior que graças à literatura se impôs às elites britânicas e mundiais, nunca viu o Império Britânico com simpatia. Numa carta durante a feitura do livro, ele comentava com uma amiga, divertindo-se à beça com o tratamento que dava aos distritos e bairros londrinos: “Destruí Woking por completo, matando meus vizinhos de maneiras dolorosas e estranhas. Depois avancei através de Kingston e Richmond, na direção de Londres, que botei abaixo, escolhendo South Kensington para alguns atos de especial atrocidade”.

O que levava um londrino a proceder assim? Creio que uma enorme dissatisfação com o papel imperial, militarista e despótico que seu país desempenhava no mundo. Claro que as destruições de Wells eram simbólicas, virtuais, meros nomes numa folha de papel. Mas talvez alguns sujeitos da Al-Qaeda, numa caverna do Paquistão, também procedam assim, folheando um Guia da Folha sobre Londres: “Que tal uma bomba nessa estação aqui? Tem tanto movimento...” Fazem um “X” com lápis hidrocor num mapa, e pronto, algumas dezenas de pessoas que eles não conhecem irão morrer ali.

Do mesmo jeito, os sunitas de Bagdá explodem bombas todos os dias em sua própria cidade. Lá, morre todo dia o equivalente aos londrinos que morreram em 7 de julho. É uma guerra-dos-mundos que acontece ali, só que do ponto de vista dos órfãos de Saddam eles são os londrinos, e os americanos e britânicos são os invasores de Marte, que desembarcaram ali bombardeando tudo e todos. A lógica perversa da guerra faz com que papéis se invertam com a maior facilidade. Os londrinos estão compreensivelmente chocados com o que lhes aconteceu, mas quantos deles se lembram de que em Bagdá aquilo acontece diariamente?

Minhas simpatias vão todas para Londres, cidade onde nunca fui mas que reverencio como um católico reverencia Lourdes ou Fátima. Se um dia eu desembarcar na cidade dos Beatles, Sherlock Holmes e H. G. Wells, vou precisar me conter para não beijar o chão do aeroporto. O que acabou de ocorrer ali é uma caricatura cruel da situação descrita por Wells em A Guerra dos Mundos. No livro/filme, o poderio tecnológico do exército marciano é derrotado pelas humildes bactérias terrestres; agora, o poderio tecnológico do Império Britânico e do Império Norte-Americano está sendo “comido pelas beiras” pela guerrinha miúda mas mortal do terrorismo.

Londres já foi arrasada mais de uma vez, por incêndios, pestes, bombardeios. Pelos depoimentos e mensagens que tenho visto na Internet todos estes dias, os londrinos estão mais firmes do que nunca. Continuam a beber no pub e a dançar nos porões, como faziam durante os bombardeios nazistas.

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