sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

1434) A ponta do iceberg (18.10.2007)


Eu estava batendo papo com a turma no apartamento de um amigo. Já era de madrugada, a cerveja tinha acabado, e resolvi tomar um uísque de saideira. Fui à mesinha, botei no copo três dedos daquilo que alguns romancistas policiais chamam de “líquido ambarino”, pincei do baldinho uma pedra de gelo e voltei para minha poltrona. Comecei a girar o gelo com o dedo, para derretê-lo.

O gelo emergia parcialmente do uísque, sempre o mesmo tanto, qualquer que fosse a posição em que eu o colocasse com o dedo. Lembrei de ter lido em alguma revista popular de ciência que uma pedra de gelo emerge do líquido sempre 8% de seu volume total; isto se aplica desde o gelo na bebida até um iceberg no oceano. Portanto, é um erro dizer coisas como “...são apenas dez por cento, é a ponta do iceberg...” Não são dez: são oito, porque (parece) é esta a diferença de densidade entre a água líquida e a água congelada.

Sim, pensei, dando um gole, mas qual é a diferença de densidade entre o uísque e a água congelada? O uísque tem partículas de cevada, sei lá do que mais, e isso deve alterar a proporção. Além do mais, nem toda água transformada em cubos de gelo é igual. Pode ser água da torneira, água mineral com ou sem gás... Seria necessário preparar uma experiência para cruzar vários tipos de líquido (A, B, C, D...) e vários tipos de água congelada (1, 2, 3, 4...). Cruzaríamos o primeiro líquido com os diversos tipos de gelo (A1, A2, A3, A4...); depois faríamos o mesmo com B, e assim por diante.

Dei outro gole e fiquei pensando: e como será que tentaríamos calcular esses 8 por cento? No olhômetro? Não é possível. Teríamos primeiro que fabricar caçambas que produzissem pedras de gelo de tamanho exato (digamos 3 centímetros cúbicos) e padronizado. Colocada cada pedrinha no líquido (recipientes idênticos, preenchidos sempre até uma linhazinha horizontal milimétrica) fotografaríamos, talvez, o trecho que emerge do líquido e então talvez fosse possível ter um programa de computador que fizesse uma medição tridimensional daquilo, para nos dizer se de fato corresponde a 8 por cento dos 3 centímetros cúbicos. Também poderíamos fabricar pedras de gelo de diferentes formatos, em diferentes caçambas (desde que todas tivessem 3 centímetros cúbicos), para demonstrar que o formato não influi, é somente o volume que conta.

E todo este processo poderia ser transposto para a “escala macro”, como dizem os estatísticos, avaliando o tamanho de um iceberg no oceano. O que sugere um novo problema: qual a diferença de proporção exposta de um iceberg na água salgada e de um iceberg na água doce (um lago, digamos)? E me veio à mente uma escultura conceitual, em gelo: um sujeito gordo como Buda, com o rosto voltado para cima, como que tentando respirar. Seria este rosto a parte que emergiria, quando a escultura fosse colocada na água.

Então, meus amigos perguntaram em que eu estava pensando, e eu disse: “Nada de mais. Ciência, arte... o de sempre”.

Um comentário:

  1. Sensacional essa pedra de gelo em forma de Buda, Braulio: quem não adoraria coçar a barriga do Sidarta Gautama enquanto beberica socialmente? Venderia como água aos zen-bebuns.

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