terça-feira, 15 de dezembro de 2009

1426) O que faz escrever (9.10.2007)




Todo escritor se depara de vez em quando com a obcecada pergunta: “O que o faz escrever? Ou seja, qual a sua principal motivação enquanto escritor?” 

Se fizéssemos a pergunta equivalente a um camioneiro, a um alpinista, a um político, a um médico, talvez encontrássemos algumas das respostas que os escritores nos dão. 

Assim como um camioneiro, um escritor gosta de tentar reunir o máximo de duas coisas antagônicas: liberdade e responsabilidade. Ele gosta dos grandes espaços abertos (do espírito, no seu caso), do desafio constante de ir a lugares onde nunca foi, da excitação de rever lugares onde passou muito tempo atrás, e durante todo o tempo sentir-se responsável por algo muito valioso que não lhe pertence (uma tradição literária) mas da qual ele é, naquele instante do seu trabalho, o único defensor e guardião.

Assim como um alpinista, o escritor é seduzido pela possibilidade de ser O Maior, de atingir alturas que os seres humanos comuns nunca alcançaram. Ele sabe que quanto mais sobe mais seu raciocínio fica inebriado pelo ar rarefeito; que corre o risco de morrer de solidão e de frio; que um passo em falso pode precipitá-lo no abismo. Mas ele sempre acredita que pode dar mais um passo, ou seja, que pode escrever mais uma página. 

Um político dirá que tem uma responsabilidade para com um grupo de pessoas que acreditam nele, acreditam na sua capacidade de fazer coisas importantes e de melhorar o mundo. Pouco importa se o mundo tem sido muito pouco melhorado, seja por políticos, seja por escritores. O importante é achar que, se há ainda muita coisa a ser feita, nada melhor do que alguém candidatar-se a fazê-la.

Enfim: cada profissional tem razões múltiplas para fazer o que faz, mas ao que parece é apenas aos escritores que se faz essa pergunta. Parece que seguir qualquer profissão é algo óbvio, cuja necessidade não precisa ser explicada, mas ser escritor é uma missão misteriosa, desnecessária e que deve ser justificada tintim-por-tintim..

Talvez a melhor resposta, para qualquer profissão, seja: faço isto por que gosto, e porque é o que sei fazer melhor. Jogadores de futebol dizem isto o tempo inteiro: “Sou um sujeito de sorte, porque me pagam um bom salário para que eu faça a coisa que mais gosto”. Ninguém pergunta a um jogador por que motivo ele joga. Pressupomos que ele descobriu em si mesmo aquela habilidade, e que não viu motivo para se dedicar a outra coisa.

Com um escritor dá-se o mesmo. Ele descobriu muito cedo que 1) gosta daquilo; 2) sabe fazer aquilo bem; 3) vê naquilo a possibilidade de juntar duas coisas importantes, o útil e o agradável, ou seja, uma profissão que lhe dê sustento e uma atividade prazerosa que lhe dê algum tipo de realização pessoal. 

Escritores, no entanto, criam para si mesmo a imagem de alguém que sabe respostas secretas e bombásticas sobre as perguntas mais banais. Podem até saber, mas a resposta que melhor os explica é esta aqui acima, a mais banal de todas.






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