As torcidas de futebol são excelentes sismógrafos do inconsciente coletivo. Revelam algumas linhas mestras de seu funcionamento. Basta ver a predileção que às vezes demonstram para com jogadores que, em tese, ninguém iria imaginar merecedores de paixões desse tipo. O caso mais recente é o do atacante baiano Obina, do Flamengo. Os flamenguistas do Brasil inteiro estão de luto desde que, dias atrás, Obina foi suspenso por 120 dias por causa da cotovelada que deu no rosto de um jogador do Inter de Porto Alegre. Isto significa que o jogador está fora do Campeonato Brasileiro de 2007, e o ano, para ele, já acabou. Este ano, Obina passou uns 3 ou 4 meses machucado: ao marcar um gol no Vasco, apoiou-se de mau jeito na perna esquerda e esbagaçou algo no joelho. Agora, com a suspensão, Obina tem todos os motivos para esquecer 2007.
Obina é o ídolo do atual time do Flamengo, o que me produz um enorme espanto, pois não é mais do que um atacante esforçado, que fez alguns gols importantes. Um deles, em 2005, ajudou o Flamengo a escapar do rebaixamento para a Série B, e outro, no ano passado, abriu o caminho para a conquista da Copa do Brasil diante do Vasco. Mas é pouco, não é mesmo? Obina tem qualidades técnicas muito limitadas. Nem é um grande jogador nem um grande artilheiro. Mesmo no medíocre time atual do Flamengo, não é um dos melhores. É um jogador de Série B; se eu fosse milionário, compraria seu passe e o daria de presente ao Treze.
Mas a torcida o adora. Em parte por causa desses gols decisivos em momentos de desespero. Em parte por causa de sua luta incansável, apesar de atabalhoada, dentro de campo (a torcida do Flamengo não admira muito a técnica, e sim a raça). E talvez porque Obina, em suas entrevistas, demonstre ser aquela espécie cada vez mais rara nos campos de futebol: o jogador puro, ingênuo. Tão ingênuo que durante o seu julgamento no Tribunal disse um monte de bobagens: que não tinha querido acertar o rosto do adversário, mas “somente o pescoço”; que aquilo era uma agressão boba, que ele “faria até num treino”. Quem diz coisas assim é pouco mais que um menino, perdido entre as raposas do futebol.
Talvez a torcida goste de Obina porque vê nele um sujeito meio primitivo, meio ingênuo, sem a maldade e a malícia dos jogadores atuais. O futebol de hoje está cheio de jogadores que se comportam como fuzileiros navais, falando o tempo inteiro em “preparo”, em “trabalho”, em “união do grupo”, em “conquista do objetivo”. A profissionalização dos clubes-empresas fez desembarcar nos Departamentos de Futebol e nos bancos de treinadores uma geração de profissionais para quem o futebol é uma forma atenuada de guerra. E de atletas que só pensam em dinheiro, inclusive atletas-de-Cristo que consideram Cristo como um misto de empresário e “personal trainer”. No meio desses maquiavéis de chuteiras, como não gostar de Obina, como não ser fã de Obina?
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