Uma das figuras mais curiosas na história do nosso vernáculo foi o Dr. Castro Lopes (1827-1901), um filólogo que era meio invocado com a quantidade de palavras estrangeiras adotadas em nossa linguagem corrente. O doutor morreu em 1901, quando o grande referencial para quem queria ser “chic” no Brasil era o francês; hoje, o referencial para quem quer ser “cool” é o inglês. Se vivesse hoje, o doutor cairia fulminado por um enfarte antes de uma semana, ao ver como nosso idioma está absorvendo, sem digerir, um imenso vocabulário vindo de fora.
O problema com o Dr. Castro Lopes é que suas soluções para os problemas eram piores do que os problemas em si. Diante das palavras importadas de países contemporâneos como Inglaterra ou França, o doutor sugeria criar palavras novas importando radicais linguísticos da Grécia e de Roma. O que me lembra a famosa frase de Jorge Luís Borges, de que todo mundo aceita influências dos clássicos mas ninguém gosta de dever nada aos contemporâneos. (Tem razão: os contemporâneos cobram.) Vai daí que o doutor não gostava da palavra “abajur” (do francês “abat-jour”), e sugeria “lucivelo” (de “luci”, luz, e o verbo “velar”). Convenhamos que de todas essas palavras nenhuma é mais simples e intuitiva do que o popular “quebra-luz”. Hoje, ao que parece, todas dançaram, sendo substituídas por “luminária”.
Algumas tentativas do doutor não foram tão mal assim. Por exemplo, consta que ele propôs “cardápio” no lugar do francês “menu”. Não tenho como quantificar essas coisas, mas eu diria que a disputa entre os dois termos está hoje pau-a-pau, mais de um século depois. Embora “menu” (com pronúncia abrasileirada e tudo, “menú”) tenha migrado inclusive para o campo de Informática (“o menu do Windows”), pode-se dizer que “cardápio” é um termo de uso corrente, que todo mundo entende, e que dispensa análises estruturais para decifrar seu significado.
Mas o doutor propôs “ludopédio” em vez de futebol, “convescote” no lugar de piquenique, “cinesíforo” ao invés de chofer. Nenhuma pegou. Qualquer aparecimento delas num texto atual é apenas como citação, como neste artigo, mas ninguém diz “Chame o cinesíforo e vamos embora”. Outras criações do doutor são de uma implausibilidade que impressiona. Ele não gostava do galicismo “galocha”, e propôs substituí-lo por “anidropodoteca”. Como diria Bussunda: “Fala sério!”
Muita coisa que vemos na política internacional de hoje é resultado de quando a mentalidade Castro Lopes assume plenos poderes. O Iraque é uma ficção política, três retalhos de mapa costurados entre si, batizados com um nome e entregues à própria sorte. A Palestina e Israel, idem idem. A região da Cachemira, entre Índia e Paquistão, também. As superpotências inventam países como um filólogo inventa palavras, e os usuários de ambos que se virem. São soluções de gabinete, possíveis de defender numa tribuna, mas que não se encaixam na vida real. E mais cedo ou mais tarde a vida cobra.
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