sábado, 31 de outubro de 2009

1336) O espírito americano (24.6.2007)



Lendo uma resenha sobre um livro de Danny Fingeroth a respeito de super-heróis (Superman on the Couch: What Superman Really Tells us About Ourselves and Our Society) deparei-me com esta frase, com que ele tenta explicar por que motivo os americanos se identificam tanto com esses personagens: “Nós lutamos nossas próprias batalhas, fazemos nossas próprias regras, desafiamos aquele que tentam nos destruir. Estamos sozinhos, seja para vencer ou fracassar, para triunfar ou sucumbir. Nós fazemos os nossos próprios destinos”. Essa mistura de altivez solitária com a arrogância de quem não-quer-se-misturar é um componente importante para entendermos a psicologia dos nossos coleguinhas mais ao Norte, tanto no seu modo de fazer cinema quanto na sua maneira de fazer guerras.

É até comovente a maneira como os americanos idolatram seus heróis. Na ficção científica, há um subgênero obscuro, muito em voga há cem anos, que os historiadores chamam de “Edisonades” (algo como “as edisonagens”). São aventuras cujo herói é Thomas Alva Edison, o inventor do fonógrafo e da lâmpada elétrica. Nas suas últimas décadas, Edison, que faleceu em 1931, tornou-se um grande divulgador da Ciência, viajando pelo país inteiro, dando palestras, fazendo campanhas de propaganda. Na década de 1890, contudo, ele já tinha fama internacional, e foi quando surgiu uma série de histórias em revistas (as chamadas “dime novels”, “romances de vintém”) tendo como herói Tom Edison Jr., um jovem inventor. Em 1886 já surgira na França o romance A Eva Futura de Villiers de L’Isle Adam, onde Edison produz uma espécie de andróide para substituir a noiva infiel do protagonista. Em 1898, Garrett P. Serviss escreveu Edison’s Conquest of Mars, em que o inventor lidera uma expedição ao planeta vizinho onde, munido de armas poderosas, “passa no rodo” a civilização marciana e implanta ali o domínio militar terrestre. O livro é uma clara resposta ao derrotismo de A Guerra dos Mundos de H. G. Wells, que acabara de ser publicado.

Os títulos das aventuras de Edison são muito numerosos para serem enfileirados aqui (o gênero caiu em desuso após 1940), mas eles exprimem um aspecto importante da cultura americana. Na mente do americano, um cientista pode ganhar proporções de super-herói. Até um político pode: alguém aí lembra o desenho animado Super Presidente, em que um presidente dos EUA se transformava numa espécie de Capitão Marvel? Não está muito distante disso o personagem de Bill Pullman no filme Independence Day – um presidente americano que acaba pilotando um dos caças a quem cabe destruir os alienígenas que invadem a Terra. Essa infantil capacidade de produzir fantasias heróicas a respeito de si próprios é um traço norte-americano que impulsiona tanto a sua cultura de massas quanto a sua política externa. São como milhões de crianças que pulam do alto do celeiro imaginando que podem voar, e o diabo é que de vez em quando um deles voa mesmo.

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