domingo, 25 de outubro de 2009

1325) “Cangaceiros” (12.6.2007)



Cangaceiros, de José Lins do Rego, é um romance que enxerga o cangaço pelo lado de fora, ou em volta dele. Em vez de descrever o dia-a-dia dos cangaceiros, seus combates, suas fugas, prefere contar a vida das pessoas que são parentes ou amigas dos cangaceiros, que pensam neles o tempo todo, que os temem, que os protegem, que torcem por eles ou contra eles. A toda hora chegam-lhes relatos das façanhas e das crueldades praticadas tanto pelos cangaceiros quanto pelas volantes de soldados que os perseguem. A trama acompanha Bento, irmão do cangaceiro Aparício. Através dele, na fazenda onde que se refugia, ficamos vendo a quantidade enorme de boatos, de lendas, de informações falsas e de histórias mal contadas que cercam a atividade desses indivíduos, num Sertão da década de 1920, carente de comunicações e de estradas.

A literatura de Zé Lins desenvolveu um monólogo interior com feição própria, extensos parágrafos que se expandem por páginas e mais páginas, nos quais ele acompanha as idas e vindas do pensamento do personagem, seus avanços e recuos, suas decisões, hesitações, suas intermináveis discussões íntimas nos momentos de ameaça ou de crise. Como Zé Lins usa um vocabulário claro e direto, o leitor acompanha sem muito esforço essas reviravoltas mentais sem perceber o labirinto de idéias em que está se metendo.

O livro, que aliás é uma continuação direta de “Pedra Bonita”, formando com ele uma unidade sem cesura, mostra um enorme entendimento do autor da mecânica social do ambiente que descreve, e uma grande familiaridade com usos e costumes, resultado de uma memória vívida, de um ouvido infalível. Isto lhe permite criar personagens de peso como os três irmãos Vieira: o cangaceiro Aparício, o pacífico Bento, e Domício, o poeta cantador que acaba enveredando pelo cangaço.

Mas os dois grandes personagens do livro são para mim os dois neuróticos. O primeiro é o Capitão Custódio, desmoralizado pela vergonha de ter visto seu filho ser morto pelo Coronel Cazuza Leutério e nada ter feito para vingá-lo. O código de honra do Sertão da época não admitia que um pai não vingasse o assassinato do filho, e o Capitão remói sua culpa e sua humilhação em todas as cenas em que aparece. O outro personagem é o Mestre Jerônimo, que foi embora do Brejo por ter cometido um crime de morte, não gosta do Sertão, e vai pouco a pouco entrando num delírio paranóico equivalente ao do Capitão Custódio. São dois personagens trágicos, que mostram o remoer de angústias e ansiedades que existe às vezes por trás da fisionomia impenetrável do sertanejo. Numa interiorização progressiva de culpas, ressentimentos, humilhações e medos, os dois vão sendo consumidos de dentro para fora diante dos nossos olhos. Quando Bento procura fugir dali, nos últimos capítulos, está fugindo ao terrível futuro que o ameaça, o de se tornar um cangaceiro como os irmãos ou um doido como os seus dois protetores mais velhos.

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