sábado, 24 de outubro de 2009

1313) Job Patriota (29.5.2007)




Recebi de Hilário Patriota o livro Na Senda do Lirismo, edição póstuma em homenagem a Job Patriota, recolhendo versos seus, depoimentos, entrevistas, fotos de família, versos em sua homenagem feitos por amigos. 

Job (cujo nome tem este “b” final à moda antiga, mas geralmente todo mundo escreve Jó) foi um dos grandes poetas de São José do Egito. Dizem que em São José até os canários cantam rimando, e a poesia é o destino universal de quem nasce naquelas bandas. Job, casado com Dasneves, filha do grande Antonio Marinho (ao que se diz, o único repentista a ter uma estátua em praça pública), viveu a vida inteira entregue à poesia. 

Conheci-o pouco; na verdade só nos encontramos uma vez, no começo dos anos 1980, quando alunos da Universidade Rural de Pernambuco me levaram para cantar ali, e depois fomos eu, Job e Rubens Braz tomar cerveja num bar das proximidades, até anoitecer. 

Fiquei com a imagem de um sujeito de aparência um tanto sofrida mas com um sorriso inesgotável, um carinho rude e sertanejo, e um amor total, uma disponibilidade total para recitar versos e falar sobre poesia até o Sol capotar de cansaço.

Quando trabalhava na barragem de Sobradinho, um peão pediu a Job que descrevesse o céu estrelado, e ele disse:

A Via-Láctea, o carreiro
chamado de São Tiago
mostrando em seu campo vago
sombras do chão brasileiro.
No Polo Sul, o Cruzeiro
como um mosteiro isolado
que tendo sido tocado
pela mão da Providência
dá uma certa aparência
de um maquinismo parado.

Job cantou muitos anos com Lourival Batista; não tinha a verve satírica e trocadilhesca de Louro, e seus versos talvez lembrassem mais os do outro Batista, Dimas, pelo lirismo e as imagens poéticas cheias de nitidez e simplicidade:

Aonde chega, a verdade
pede à mentira que fuja.
A virtude, esta é tão limpa
que o pecado não suja,
e a consciência, a moeda
que o tempo não enferruja.

A arte mais difícil do poeta é encaixar rimas escassas com estas (“...uja”) de maneira não forçada, de maneira a parecer que não havia outra palavra possível para dizer o que foi dito.

Glosando um mote sugerido pelo poeta Manuel Filó, disse Job: 

A paisagem do campo: que beleza!
Onde Deus escreveu o seu poema
cada árvore parece com um cinema
pelo filme da mão da Natureza.
Pelo gado de toda redondeza
o capim pelo chão fica pisado
como todo consolo machucado
tem o cheiro do hálito da criança,
toda sombra de pau que um boi descansa
deixa um cheiro de pasto mastigado.

Temos aí o ritmo impecável, a riqueza visual, e a delicadeza de comparar a pureza do cheiro do capim com o hálito da criança. 

Fala-se que Job foi boêmio desses de virar noite. Como tantos outros, deixou versos espalhados por onde passou, repentes como fotos polaróides de cada instante da vida: 

Às vezes estou deitado
vejo um lindo panorama
pelas brechas do telhado
colhendo da minha cama
as filigranas de prata
que a luz da lua derrama.




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