segunda-feira, 12 de outubro de 2009

1300) O Inefável (13.5.2007)



O Inefável é aquilo que não se pode dizer, descrever, exprimir. A palavra nasce desta partícula “fa”, ligada em latim à idéia de expressão verbal, de onde vem “falar”, “fado” (=oráculo, profecia), “infante” (que não fala), “fábula” (conversação, relato), “fama” (o que se fala de alguém) etc. 

O inefável é o infalável, o que não se sabe como dizer, o que não tem expressão. É uma sensação mais familiar aos profissionais da escrita, que sempre se preocupam com a expressão exata, do que com o cidadão comum, o qual, quando a expressão exata não lhe ocorre, usa a primeira que lhe vem à cabeça: “Diz a Aderbal que é pra coisar aquele troço daqui pras 5 horas”. 

O inefável é aquela experiência total, que extrapola os limites da linguagem. Em “O Aleph”, Jorge Luís Borges diz, sobre o seu encontro com o objeto que contém todos os pontos do Universo: “O que os meus olhos viram foi simultâneo; o que transcreverei será sucessivo, pois a linguagem o é”. 

Aí já se estabeleceu a impossibilidade total de verbalizar o que aconteceu. Simultaneidade e sucessividade são como, na música, a harmonia e a melodia. São irredutíveis entre si: o sentido da harmonia é que aqueles sons ocorram todos ao mesmo tempo, e não um depois do outro. Escrever sobre certas experiências mentais é como executar uma Sinfonia com cada instrumento tocando sua parte sozinho, um depois do outro. 

Se fizéssemos uma pesquisa google nas letras da MPB, encontraríamos a frase “eu não sei dizer” num dos primeiros lugares. Não é privilégio dos nossos letristas. Augusto dos Anjos padecia destas mesmas dores, vendo-se a toda hora às voltas com “o mulambo da língua paralítica”, incapaz de reproduzir suas idéias. Poderíamos fazer um volume só com seus versos que falam na incapacidade de dizer as coisas: “Grito, e se grito é para que meu grito / seja a revelação deste Infinito / que eu trago encarcerado na minh’alma!” 

O poeta, que alguém já apelidou bem-humoradamente de “Angústio dos Anjos” via com desespero essa incapacidade, mas Carlos Drummond, poeta mais sereno, dizia, em “Canto Esponjoso”: “Vontade de cantar. Mas tão absoluta / que me calo, repleto”. 

Lembro daquela cena do Amarcord de Fellini em que numa certa noite as pessoas da cidade pegam botes, canoas, e vão para o mar. São dezenas de pequenos barcos e lanchas cheios de gente, levando lanternas, marmitas, o escambau. E a certa altura ficamos sabendo por quê: naquela noite passa por ali um transatlântico, que surge do nevoeiro como uma estrutura gigantesca, coberta de luzes, emitindo sons profundos, agitando as águas. As pessoas acenam, gritam, agitam lenços chorando. O transatlântico provavelmente nem percebe que eles estão ali, e passa, sereno, pesadíssimo, mais cheio de luzes do que uma espaçonave de Spielberg. E num dos barcos, sobraçando uma sanfoninha, de óculos escuros, está o ceguinho da cidade, também gritando e deslumbrado. O que ele está experimentando ali é O Inefável.





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