(The Progressive Review)
De vez em quando nesta coluna eu desço a ripa nos clichês literários e cinematográficos. Isto significa que advogo a extinção imediata deles, sua proscrição, algum tipo de “pogrom” ou de “solução final”? Longe disto. O clichê, o lugar-comum, a banalidade, o estereótipo mil vezes repetido, tudo isto tem sua utilidade dentro da retórica criativa. O segredo é saber usá-los com parcimônia e discernimento. O que é um clichê? Em geral, é uma maneira interessante de mostrar ou dizer algo, uma maneira que mostra ou diz com tal eficácia que todo mundo começa a utilizá-la. Daí a pouco, todo mundo já viu algo parecido. Daí a alguns anos, ninguém agüenta mais ver – isto é uma figura de linguagem, porque estudos científicos já demonstraram que o público agüenta, sim, rever uma coisa um milhão de vezes, desde que haja alguém disposto a mostrá-la um milhão de vezes.
Vou dar um exemplo banal. O filme começa com a luz se acendendo na sala de um apartamento, onde entra uma mulher jovem, vestida de executiva. Ela joga a bolsa sobre o sofá, liga a secretária eletrônica, e sai por uma porta; quando começamos a ouvir os recados ela retorna, mastigando uma maçã; senta no sofá joga os sapatos para longe... Pronto, está dito tudo. É uma jovem independente, mora sozinha, trabalha pra caramba, mal tem tempo de comer... Houve um dia um roteirista que, incumbido de apresentar rapidamente esta personagem bolou esta ceninha. Que foi copiada alguns milhares de vezes desde então.
Já viram um bêbado no cinema brasileiro? Ele vem sempre cambaleando pela rua afora, bebendo na boca da garrafa. Olhe, eu nunca vi na vida real um bêbado bebendo da boca da garrafa, e olha que nestas cinco décadas eu já passei mais tempo dentro de bares do que dentro de bibliotecas. Mas não importa. Mostrar o cara bebendo na garrafa tem mais ênfase do que mostrar num copo. A função do clichê é dizer algo numa fração de segundo, e nessa fração de segundo ficou dito: esse sujeito está bêbado às quedas.
A função do clichê é passar informações rápidas sobre detalhes secundários para poder avançar a história e falar de coisas mais importantes. Para que essa informação seja passada rapidamente, a imagem tem que ser clara, direta inequívoca: esse sujeito está bêbado, aquela moça mora sozinha e trabalha muito. O clichê se justifica como um atalho na descrição ou na exposição, para conduzir a narrativa ao que realmente importa, ao que de fato interessa. O problema é quando os clichês se sucedem, os lugares-comuns vêm um atrás do outro, e só levam a novos lugares-comuns e novos clichês. Aí percebemos que o autor não tem muita coisa a dizer, está simplesmente repetindo coisas que já viu e que aprendeu a fazer, mas que em si não dizem muito – é como aqueles músicos que ficam a tarde inteiro “praticando escalas”, tocando dó-ré-mi-fá-sol-fá-mi-ré-dó, para ficar com os dedos mais ágeis, mas a música em si nada diz, não desperta emoção estética alguma.
De vez em quando nesta coluna eu desço a ripa nos clichês literários e cinematográficos. Isto significa que advogo a extinção imediata deles, sua proscrição, algum tipo de “pogrom” ou de “solução final”? Longe disto. O clichê, o lugar-comum, a banalidade, o estereótipo mil vezes repetido, tudo isto tem sua utilidade dentro da retórica criativa. O segredo é saber usá-los com parcimônia e discernimento. O que é um clichê? Em geral, é uma maneira interessante de mostrar ou dizer algo, uma maneira que mostra ou diz com tal eficácia que todo mundo começa a utilizá-la. Daí a pouco, todo mundo já viu algo parecido. Daí a alguns anos, ninguém agüenta mais ver – isto é uma figura de linguagem, porque estudos científicos já demonstraram que o público agüenta, sim, rever uma coisa um milhão de vezes, desde que haja alguém disposto a mostrá-la um milhão de vezes.
Vou dar um exemplo banal. O filme começa com a luz se acendendo na sala de um apartamento, onde entra uma mulher jovem, vestida de executiva. Ela joga a bolsa sobre o sofá, liga a secretária eletrônica, e sai por uma porta; quando começamos a ouvir os recados ela retorna, mastigando uma maçã; senta no sofá joga os sapatos para longe... Pronto, está dito tudo. É uma jovem independente, mora sozinha, trabalha pra caramba, mal tem tempo de comer... Houve um dia um roteirista que, incumbido de apresentar rapidamente esta personagem bolou esta ceninha. Que foi copiada alguns milhares de vezes desde então.
Já viram um bêbado no cinema brasileiro? Ele vem sempre cambaleando pela rua afora, bebendo na boca da garrafa. Olhe, eu nunca vi na vida real um bêbado bebendo da boca da garrafa, e olha que nestas cinco décadas eu já passei mais tempo dentro de bares do que dentro de bibliotecas. Mas não importa. Mostrar o cara bebendo na garrafa tem mais ênfase do que mostrar num copo. A função do clichê é dizer algo numa fração de segundo, e nessa fração de segundo ficou dito: esse sujeito está bêbado às quedas.
A função do clichê é passar informações rápidas sobre detalhes secundários para poder avançar a história e falar de coisas mais importantes. Para que essa informação seja passada rapidamente, a imagem tem que ser clara, direta inequívoca: esse sujeito está bêbado, aquela moça mora sozinha e trabalha muito. O clichê se justifica como um atalho na descrição ou na exposição, para conduzir a narrativa ao que realmente importa, ao que de fato interessa. O problema é quando os clichês se sucedem, os lugares-comuns vêm um atrás do outro, e só levam a novos lugares-comuns e novos clichês. Aí percebemos que o autor não tem muita coisa a dizer, está simplesmente repetindo coisas que já viu e que aprendeu a fazer, mas que em si não dizem muito – é como aqueles músicos que ficam a tarde inteiro “praticando escalas”, tocando dó-ré-mi-fá-sol-fá-mi-ré-dó, para ficar com os dedos mais ágeis, mas a música em si nada diz, não desperta emoção estética alguma.
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