quarta-feira, 16 de setembro de 2009

1263) Nós, os paulistas (31.3.2007)




Em seu saboroso e enriquecedor livro Tropicalista Lenta Luta Tom Zé afirma a certa altura uma coisa que sempre me deixou, se não de cabelo em pé, pelo menos com a pulga atrás da orelha. Diz ele à pag. 97: 

“Outro paulista, Pedro Taques, historiador, hoje nome de estrada enganjenta, disse em Nobiliarquia Paulista que o caboclo nordestino descende dos primeiros bandeirantes de São Paulo, que chegaram ao Nordeste e preservaram a fibra e a vigilância moral justamente graças a esta solidão desamparada de migrantes. Ao contrário dos que, cá no Sul, degeneraram em ‘cruzamentos’ e maus costumes de uma vida cortesã”.

Apesar de ser basicamente um elogio, sempre li isto meio com o pé atrás. Parece coisa de baiano, dizer que nós paraibanos somos, no fundo, um bando de paulistas. 

Foi necessária a intervenção do carioca Euclides da Cunha (nascido, para ser escrupuloso, em Cantagalo) para confirmar esta teoria migratória em “O Homem”, a parte intermédia de Os Sertões, onde a certa altura ele diz:

“Da absorção das primeiras tribos surgiram os cruzados das conquistas sertanejas, os mamelucos audazes. O paulista – e a significação histórica deste nome abrange os filhos do Rio de Janeiro, Minas, S. Paulo e regiões do sul – erigiu-se como um tipo autônomo, aventuroso, rebelde, libérrimo, com a feição perfeita de um dominador da terra, emancipando-se, insurreto, da tutela longínqua, e afastando-se do mar e dos galeões da metrópole, investindo com os sertões desconhecidos, delineando a epopéia inédita das Bandeiras...”

A verdade é que o Rio São Francisco foi a vagarosa avenida que ao longo de séculos fez o escoamento destes aventureiros rumo ao Nordeste. Uns vinham em busca de ouro ou esmeraldas. Outros, mais afeitos aos livros de aventuras, vinham em busca de cidades como o Eldorado. Outros queriam apenas o que tanta gente prefere ter: uma vida livre, sem prestar contas a Seu Ninguém, e nas horas de aperto contando apenas consigo mesmo. 

Foram se fixando no vale do São Francisco, subiram, cruzaram o rio, cruzaram a fictícia fronteira entre o noroeste da Bahia e o sul do Piauí, derivaram na direção dos altos sertões do Cariri cearense, e dos extremos da Paraíba e de Pernambuco.

Criaram aqui uma civilização inteira, erigiram fazendas, mataram índios e onças. Um belo dia, parou à sua porta uma charrete e dela desceu um senhor de terno preto com uma pasta na mão. Era o fiscal do Governo, que vinha cobrar os impostos. “Governo? Que Governo?” exclamaram os “paulistas”. “Quem inventou isto aqui foi a gente”. 

Uma das principais tarefas civilizatórias do Brasil para o século 21 será integrar estas duas civilizações: a que veio por fora, em navios, atracando no porto e fundando capitais de Estado, e a que veio por dentro, desbravando o mato a facão, plantando algodão e criando gado. Todos são brasileiros. Problema vai ser achar um Brasil que atenda a todos.




Um comentário:

  1. Sem dúvida, a origem da minha família do sertão de Pernambuco era de um fidalgo português que chegando em São Paulo casou com uma filha de bandeirantes e foi para o sertão do Piauí, e lá teve 14 filhos, a quem lhes foram distribuídas terras, cujas fazendas deram origens a povoados no sertão do Piauí e de Pernambuco. Sou da oitava geração.

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