sexta-feira, 11 de setembro de 2009

1257) É proibido proibir (24.3.2007)



Entre as pichações de paredes de maio de 1968, no movimento estudantil-operário que botou Paris de pernas para o ar, uma das mais famosas é: “É proibido proibir”. Ela deu origem a uma canção de Caetano Veloso (“A mãe da virgem diz que não... e o anúncio da televisão...”) que levou uma tremenda vaia num festival de TV, não por causa da música em si, mas porque Caetano inventou de interpretá-la no palco vestindo roupas de plástico e acompanhado pelas guitarras elétricas que na época estavam provocando uma polêmica interminável na MPB. Reza a lenda que foi Guilherme Araújo, espertíssimo farejador de modismos (que faleceu dias atrás), quem praticamente obrigou Caetano a compor uma música usando este slogan, que, ele previa, ia pegar mais do que chiclete em cadeira de cinema.

Já vi muita gente questionando esta frase. Um professor de Lógica Formal tentou me demonstrar o quanto ela é absurda, visto ser uma frase que nega a si mesma num “loop” recursivo, equivalente ao de “Esta frase é uma mentira”. Ariano Suassuna se insurgiu, em mais de uma aula-espetáculo, contra a permissividade moral que ela implica: “Então quer dizer que se um sujeito quiser estuprar e matar uma criança nós não podemos proibi-lo? Eu, hein!” Um amigo meu, com vocação para professor de Melancolia, afirmou: “Dizem isto porque têm vinte anos e são radicais. Quando tiverem quarenta, dirão que É Coibido Coibir”.

Eu vejo a frase de um modo diferente. Levá-la ao pé da letra, claro, nem pensar. O verdadeiro libertário é contra as proibições, mas sabe que alguma coisa pode ser proibida. O que a frase significava para os rapazes e moças daquele tempo era “Você não pode me proibir todas essas coisas que vive me proibindo”. O “você” em alguns casos eram os pais, em outros casos o governo, e por extensão quem quer que tentasse nos impor uma proibição que sabíamos injusta. Não só injusta como eticamente comprometida. Pais que enchiam diariamente a cara de uísque proibiam os filhos de beber ou de experimentar maconha. A frase tinha então como subtexto: “Você não pode me proibir uma coisa que permite a si mesmo”. Claro que mesmo assim o pai poderia ter seus argumentos para justificar a proibição, mas naquele tempo a maioria dos pais não argumentava com os filhos. “Tá proibido e tamos conversados”. Se o filho recalcitrasse, tome bofete. Por isto, haja barricada nos bulevares, haja carro incendiado e paralelepípedo na testa dos gendarmes.

“É proibido proibir” é uma dessas frases que não exprimem uma verdade lógica. Exprime o dilaceramento emocional de quem experimenta uma situação-limite da qual só consegue se evadir pela ruptura de conceitos, pelo estilhaçamento da razão, pela violentação da lógica, pela afirmação paradoxal e contraditória de uma coisa impossível. Uma afirmação que traz em si uma crispação emocional de revolta e inconformismo, imediatamente reconhecível a quem já tenha se sentido vítima de uma injustiça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário