sexta-feira, 11 de setembro de 2009

1255) “Menino de Engenho” (22.3.2007)



Menino de Engenho é o romance rural que me revelou, como a muitos brasileiros urbanóides, o cheiro doce-azedo dos canaviais, os bois mortos descendo na enxurrada da cheia, o estralejar do fogo nas taquaras, a senzala abafadiça com suas avós centenárias, o carneirinho arreado e selado para o sinhôzinho cavalgar, o escravo gemendo no tronco, Antonio Silvino de pé no terreiro com o bando perfilado às suas costas, as crueldades e as doçuras das sinhás da Casa Grande, as safadezas dos meninos com as negrotas pelo meio do mato. Devemos lembrar, também, que a adaptação de Walter Lima Jr. foi um dos filmes mais equilibrados e autênticos do Cinema Novo, e só não foi mais valorizado na época porque não era um filme sobre a Revolução, sobre o levante armado dos camponeses, e não se parecia em nada com o cinema de vanguarda europeu. (Na melhor das hipóteses, parecia um roteiro memorialista de Fellini filmado por Kurosawa.)

Dizem os críticos que quem revolucionou a cabeça do jornalista Zé Lins foi seu encontro com Gilberto Freyre. Este o convenceu de que era possível fazer romance sem pensar na literatura européia, usando apenas duas armas: a língua brasileira e a vida brasileira. Bastava isto para criar uma Literatura, e o romance regionalista da década de 1930 foi a melhor prova. Muita gente achou, depois do sucesso de Zé Lins, que tinha de escrever como ele e tinha que recordar coisas parecidas com as que ele recordava. Equívoco mais comum do que se pensa. Hoje está cheio de gente achando que para ser bom escritor tem que escrever como Jorge Luís Borges ou Guimarães Rosa. Zé Lins descobriu que já tinha em si todo o necessário para fazer grande literatura, que bastava olhar para dentro e narrar para fora. Daí em diante, foi um livro por ano, cada qual melhor do que o outro. Pelo menos metade de sua longa obra é de nível muito alto, ainda hoje.

Menino de Engenho, curiosamente, começa com uma cena de melodrama urbano (marido ciumento mata a mulher a tiros) e esta tragédia não tem prosseguimento na narrativa. O filho único é mandado para morar com o avô, e aos poucos ficamos sabendo que o pai era mentalmente instável e estava agora num manicômio. Como é de se esperar, ninguém fala as coisas às claras para o menino, e toda sua infância se passa cobrindo com camadas e mais camadas de experiências novas e explicações novas este fato central misterioso, cuja única justificativa é mais misteriosa ainda: a Loucura.

Não fosse esse núcleo doloroso, Menino de Engenho talvez fosse apenas um romance bucólico de exaltação às simplicidades e encantos do mundo rural. Do jeito que é, é uma história sofrida, onde cada experiência nova faz atrito na sensibilidade exposta do garoto, que tem um olho infalível para as violências, as crueldades, as coisas que ninguém explica. É um narrador de romance psicológico contracenando com personagens e ambientes de um romance de costumes regionalistas

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