sexta-feira, 4 de setembro de 2009

1247) O ovo da serpente (13.3.2007)



Um menino, preso ao cinto de segurança de um carro, é arrastado até a morte por bandidos. Filhos drogados matando os pais, pais matando os filhos drogados, assaltantes queimando viva uma família, homens adultos estuprando e matando crianças. Parece um trailer do fim do mundo, e a cada dia que passa surge na imprensa a reação inevitável, proporcional e similar à ação. Gente querendo abaixar ou extinguir a maioridade penal. Gente pedindo o Exército nas ruas. Gente pedindo a pena de morte. Gente se armando para sair de casa.

Um poeta paraibano já descreveu este fenômeno: “O homem, que nesta terra miserável vive entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera”. Os apressados dirão que Augusto estava justificando e avalizando a Lei de Talião, o olho por olho, o pescoço por pescoço. Esquecem eles que os poetas, pela inquietude mental que os caracteriza, avalizam sempre os dois lados de uma questão. Augusto também avalizava o perdão, quando fala do “misericordiosíssimo carneiro”, que ao ser degolado perdoa o magarefe: “Quando a faca rangeu no teu pescoço, ao monstro que espremeu teu sangue grosso teus olhos – fontes de perdão – perdoaram!”

Os mais pragmáticos dirão que perdoar assim não faz sentido. E em verdade vos digo que a resposta violenta também não faz. O Brasil joga dezenas de milhões de brasileiros (cerca de um terço de sua população) numa situação de terror, sem educação, sem emprego, sem escola, sem saúde. Pelo outro lado, bombardeia essa população com apelos histéricos ao consumo, estímulos constantes à violência e ao sexo, e a uma cultura-de-massas onde se glorifica acima de tudo o dinheiro, o Status Social, o dinheiro, o Poder, o dinheiro, a Fama, o dinheiro. E quando 1% ou 2% dessa população abandonada deriva para o crime, os bem-pensantes vêm à imprensa pedir a pena de morte, de preferência para quem for negro e estiver sem documentos.

Não há ninguém mais brutal e mais cruel do que um cidadão-de-bem quando se sente ou se imagina ameaçado. Tudo que o cidadão de bem quer é que o deixem usufruir em paz dos seus benefícios de classe: ir ao shopping, ir à livraria, ir ao restaurante, viver em paz com sua família. Se os favelados ou os periféricos estão se matando uns aos outros, é problema deles, não seu. Quando um favelado ou um periférico vem roubar sua carteira, ele pede que os batalhões do exército invadam a Favela e a Periferia.

Já diz a sabedoria popular: “Quem criar caranguejeira, não reclame a ferroada”. Nenhum de nós é individualmente culpado pela miserabilidade a que um terço do País vem sendo empurrado, década após década. Não foi uma decisão nossa, e tenho certeza de que, se fôssemos consultados, teríamos sido contra. Não somos causadores, mas somos os beneficiários. Vivemos numa bolha artificial de consumo às custas desses milhões que vivem na miséria. Essa conta só faz aumentar, e cedo ou tarde O Cobrador vem bater à nossa porta.

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