quarta-feira, 2 de setembro de 2009

1240) O Hipo-realismo (4.3.2007)




(Arte maoísta chinesa)

Umberto Eco discute em seu ensaio “A Ilusão Realística” (em Sobre os Espelhos, Ed. Nova Fronteira) o conceito de Hipo-realismo. Seria o contrário de Hiper-realismo. Hipo quer dizer “pouco, abaixo de”: hipotermia, etc. (Não tem nada a ver com um prefixo idêntico que significa “cavalo”, de onde temos hipódromo, hípico, etc.) 

“Hipo-realismo” é o contrário do Hiper-Realismo, aquela escola pictórica norte-americana em que imagens banais do cotidiano são retratadas com incômoda nitidez, cores fortes, contornos cortantes. 

Uma diferença entre os dois, diz Eco, é que o Hiper-realismo não nos quer se fazer passar pelas coisas: ele proclama ser “uma fotografia das coisas”. Os americanos que o praticam não querem criar imagens iguais à realidade, e sim imagens super-ultra-hiper mais reais do que o Real. Artificialidade pura.

Já o Hipo-realismo envolve aquelas obras ingênuas, meio kitsch, meio acadêmicas, em que um artista semi-educado que conhece uma dúzia de técnicas retratistas produz quadros destinados a agradar um público semi-informado que conhece meia dúzia destas técnicas. 

Vem daí, por exemplo, a enxurrada gigantesca de quadros do Realismo Socialista, mostrando operários musculosos manipulando turbinas e tornos mecânicos, camponeses altivos ceifando o trigo. 

Para Eco, esses quadros não são objetos de arte: são instrumentos de persuasão de massa. Destinam-se a ser assimilados por públicos que encontram ali, com alívio, uma identificação que a arte moderna – problemática, questionadora, iconoclasta, contraditória – lhes nega. 

É uma estética do lugar-comum que dá a essas platéias a ilusão de que são capazes de dialogar com a Arte de igual para igual; a ilusão de que “entendem”.

Este conceito pode ser estendido para outras formas de expressão, como o cinema, o teatro, a literatura. No momento em que um beabá de linguagem é assimilado pelo público, os artistas começam a questionar e romper os limites desta linguagem, enquanto os adeptos do que ele chama “Pictoricismo de Estado” apropriam-se dessa linguagem já codificada para fornecer às massas mais conformistas uma ração estável de conformismo, e fornecer àquelas com meias veleidades intelectuais a sensação de que participam do diálogo estético e ideológico.

Tal arte corresponde ao Kitut enlatado (comparado a um bife de verdade) e ao refresco sintético tipo Tang (comparado ao suco de fruta extraído na hora). Uma coisa que não é carne mas parece carne, que não contém uva mas lembra o gosto de suco de uva. 

É uma arte sintética, produzida a partir de uma técnica rapidamente disseminada através de escolas de Belas Artes e similares. É destino das vanguardas passar por este tipo de assimilação; o Hipo-realismo se expandiu a tal ponto que arrebanhou para si técnicas do Impressionismo, do Surrealismo, do Cubismo. Tudo que é novo hoje parece destinado a passar por dentro desse moedor-de-carne que a tudo nivela e a tudo neutraliza.






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