A trilogia Matrix dos irmãos Warchovsky, no cinema, e a trilogia Neuromancer de William Gibson, na literatura, são narrativas futuristas sobre um mundo socialmente fraturado e de alta tecnologia.
Apontam na direção de um futuro em que a realidade de carne e osso dos nossos corpos biológicos servirá apenas como infra-estrutura para uma realidade virtual, onde poderemos projetar nossa mente e criar ali todo um novo universo de ambientes, criaturas e interações.
Viveremos plugados em alguma coisa, e através desse plug compartilharemos mentalmente uma realidade a que nossos corpos não terão acesso.
Elas me lembram um conceito criado por Brian Aldiss para descrever certas narrativas de ficção científica: o Barroco Cinemascope (“widescreen baroque”). Curiosamente essa concepção vem ao encontro de uma das mais notórias idéias do teatro barroco espanhol, aquela que Calderón de la Barca expressou melhor que todos em sua peça A Vida é Sonho (1635), quando diz:
(...) estamos
em mundo tão singular
que o viver é só sonhar
e a vida ao fim nos imponha
que o homem que vive, sonha
o que é, até despertar.
Os poetas barrocos viviam numa época de fervorosa religiosidade, e procuravam exprimir das maneiras mais variadas esse contraste entre um mundo material cuja existência seus corpos não podiam deixar de reconhecer, e um mundo espiritual que lhes obcecava a mente por completo. O conflito entre a matéria e o espírito, duas realidades irrecusáveis, foi um dos temas mais obsessivos desses poetas.
O que Calderón dizia de seu mundo pode ser estendido à Matrix, o mundo ilusório criado pelas supermáquinas do futuro:
Sonha o rico sua riqueza
que trabalhos lhe oferece;
sonha o pobre que padece
sua miséria e pobreza;
sonha o que o triunfo preza,
sonha o que luta e pretende,
sonha o que agrava e ofende
e no mundo, em conclusão,
todos sonham o que são,
no entanto ninguém entende.
No mundo da Matrix, os seres humanos vivem acorrentados no interior de casulos, dormindo um sono hipnótico, tendo sua energia sugada por máquinas incompreensíveis enquanto sua mente sonha sonhos artificiais em que imaginam estar em grandes cidades, andando de carro, trabalhando em escritórios, amando, casando, vivendo, divertindo-se.
A sua primeira sensação é de sair do mundo real e penetrar num pesadelo fantástico em que o mundo não é nada do que parecia. Ele poderia dizer, como o personagem de Calderón:
Eu sonho que estou aqui
de correntes carregado
e sonhei que em outro estado
mais lisonjeiro me vi.
Se fazemos a equação “a vida é sonho”, dizemos em conseqüência que “o sonho é vida”; rompida a primeira ilusão, nunca mais saberemos distinguir de que lado nos achamos.
Claro concordo, quem o fez sonhar foi o próprio Morpheus, dando-lhe a pílula vermelha (representando as sementes de papoula). Ou o sonho seria acordar para outra dimensão?
ResponderExcluirEu tava deitado esperando o sono chegar quando fui acometido por essa ideia. Eu havia sonhado e vinha sonhando tudo, todos. E todos tbm me sonhavam. Eu sequer havia nascido. Era algo pior que morrer porque era nunca ter vivido. Era nunca ter vivido e saber disso: que a vida é só um sonho, que nada é real, sob a tartaruga que segura o mundo outra e outra e outra e que a ciência é só uma forma diferente de teatro, que quando bem feito é uma forma de magia, que é uma forma consciente de sonhar.
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