sexta-feira, 21 de agosto de 2009

1206) A ciência no escuro (24.1.2007)



Li uma receita infalível para perder peso. Não lembro os detalhes mas vou reinventar. Você pega um “santinho” de São Tomás de Aquino, benze na igreja com água benta, tranca durante 24 horas numa caixinha, junto com um grão de milho, um de arroz, um de feijão, e um galhinho de arruda. Depois, forre uma esteira no chão, coloque o “santinho” embaixo, e faça 100 flexões abdominais. Repita isso durante um mês, diariamente, não esquecendo de rezar um Pai Nosso no fim de tudo, e de doar no fim do mês 50 reais para uma instituição beneficente. É tiro e queda: você vai perder alguns quilos.

Não sei se ficou engraçado, mas não importa. Durante milênios a Medicina (assim como muitas outras práticas científicas) funcionou deste jeito, e em muitos aspectos é assim que ainda funciona. Em casos mais enigmáticos, que fogem ao feijão-com-arroz, temos um vago palpite sobre o que está afligindo o paciente, e aí tomamos uma série de providências, cruzando os dedos e rezando para que algum daqueles detalhes funcione; e às vezes funciona. O médico cura o sujeito, mas ele mesmo não sabe como, porque no estágio de conhecimento em que se encontra, todas aquelas providências são plausíveis, todas têm algum tipo de justificação. Houve um tempo (lembram-se do Dom Quixote?) em que não existiam médicos propriamente ditos. Quando um sujeito estava doente, chamava-se um barbeiro e este fazia uma sangria no enfermo, abrindo uma veiazinha e tirando-lhe alguns decilitros de sangue. Hoje parece absurdo, mas vai ver que em casos como pressão alta ou infecção localizada isso podia até ter um efeito positivo.

É o que me vem à mente quando vejo atividades extremamente subjetivas como a Cientologia (ou Dianética), a Meditação Transcendental, a Terapia Primal e assim por diante. Fazem um bem enorme a uma porção de pessoas, mas macacos me mordam se eu (ou qualquer dos envolvidos) puder apontar o dedo e dizer exatamente por quê. Todas elas me parecem tiros no escuro, tentativas de mexer com coisas que nunca conseguimos enxergar em sua totalidade, coisas de comportamento imprevisível. É como jogar bilhar no escuro, num navio. Quem foi que disse que a gente não encaçapa uma bola de vez em quando?

A Psicanálise é colocada nessa lista ainda hoje, mais de cem anos após seu início, por muita gente cética que não bota muita fé nas suas premissas e nos seus métodos. Nunca fiz psicanálise e lamento ter lido pouco sobre o assunto, mas como todo sujeito verbal tenho curiosidade por um método que examina o discurso verbal do paciente para perceber sintomas, e promove a cura através de estímulos verbais. Psicanálise é Literatura. O paciente chega com uma história troncha no juízo. O médico escuta, e ajuda o cara a recontar aquela história de uma maneira não-troncha, percebendo e eliminando as tronchuras. É uma forma de crítica literária que lida apenas com Autobiografias, ou Memórias.

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