sexta-feira, 14 de agosto de 2009

1200) "O Fim da Infância" (17.1.2007)


(a tradução portuguesa, na "Colecção Argonauta")

Em seu romance com este título, Arthur C. Clarke lançou uma idéia perturbadora: o Diabo não existe, mas é nosso amigo. No livro, a Terra é invadida logo no início por uma frota de imensas espaçonaves alienígenas. Com um poder tecnológico que não podemos nem imaginar, os extraterrestres inviabilizam qualquer tipo de reação. Desativam nossas armas, apossam-se de nossas telecomunicações, e deixam a humanidade inteira, em termos práticos, de pés e mãos atados, totalmente à sua mercê. E isto sem nem sequer desembarcar: suas naves ficam pairando, fechadas e inacessíveis, por cima das maiores capitais do mundo. A partir daí, eles começam um paciente trabalho de desmonte de nossa estrutura bélica e de resolução de nossos problemas de infra-estrutura. O mundo passa por uma revolução benéfica como jamais conhecera. Só que os benfeitores continuam ocultos em suas naves, recusando-se a aparecer. Dizem eles que a Humanidade ainda não está pronta para encarar sua aparência física, e que só se mostrarão depois de transcorridos cinquenta anos.

Quando o prazo se esgota, as naves pousam, as portas se abrem, e eles surgem. E sua aparência é a reprodução exata da imagem tradicional do Diabo: são altos, peludos, com chifres na cabeça, cauda pontiaguda, etc. e tal. Eles explicam que não é coincidência. São oriundos de um planeta parecido com a Terra, por isto parecem uma mistura entre humanos e animais terrestres. A imagem ameaçadora do Diabo gerada em nossa cultura corresponderia à memória remota deixada por eles em outras visitas ao nosso planeta.

Clarke, que em 2001 nos deu alienígenas misteriosos, elusivos, que nunca se deixam ver, parece divertir-se com esse jogo de imagens entre Ciência e Religião. Para ele, o que chamamos de Deus ou de Diabo são criaturas de civilizações impensavelmente superiores. Todo o nosso panteão de divindades não passa de reflexos deixados por esses seres. Clarke representa a visão cientificista ocidental, para a qual tudo que chamamos hoje de religião, mitologia, misticismo, superstição, etc. são versões rudimentares de um conhecimento do mundo que irá pouco a pouco caducando e sendo substituído pelo conhecimento científico. Clarke é um Iluminista do século 20, um sobrevivente heróico daquela época em que o Ocidente embriagou-se de racionalidade e deu à Razão a tarefa de explicar tudo.

Para Clarke, a humanidade de hoje vive ainda a infância da espécie. Chegará o momento em que os Adultos da Galáxia nos tirarão do berço e nos adaptarão com cuidado ao seu mundo. Ele disse certa vez que qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia. E nesses dois livros parece dizer que os extra-terrestres distantes e poderosos são a verdadeira face de Deus. Ou do Diabo.

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