quinta-feira, 6 de agosto de 2009

1183) Crônicas dos tempos modernos (28.12.2006)



Tenho diante de mim, enquanto escrevo, os trabalhos mais recentes de Bob Dylan: o livro Crônicas, volume 1 e o recente CD Modern Times. A primeira coisa que salta à vista é o fato de ambos terem na capa uma foto em preto e branco mostrando as luzes de uma metrópole, à noite, do ponto de vista de quem está parado no meio da rua, com o trânsito fluindo à sua volta. 

A foto de Crônicas é de Don Hunstein (http://www.donhunstein.com/), autor de pelo menos outra foto histórica de Dylan: a capa do seu segundo disco, The Freewheelin’ Bob Dylan (1963), em que o cantor aparece abraçado a sua então namorada, Suze Rotolo. 

A foto de Modern Times é de Ted Croner, falecido aos 82 anos em 2005, autor de antológicas fotos de New York. Algumas podem ser vistas em: http://www.art.com/asp/display_artist-asp/_/crid--5817/Ted_Croner.htm

Coloque livro e CD lado a lado. Há uma poética continuidade entre as duas fotos. A foto de Hunstein mostra Times Square à noite, por volta de 1960, a julgar pelo filme Inherit the Wind, de Stanley Kramer, em cartaz no cinema do lado esquerdo, e por uma propaganda da BOAC, a empresa aérea britânica que na época fazia a principal linha com os EUA (e que é citada pelos Beatles em “Back in USSR”: “Flew in from Miami Beach, B. O. A. C...”). 

A foto de Croner aparece em seu saite com a data de 1947. 

Mesmo assim, parecem ter sido feitas não apenas pelo mesmo fotógrafo, mas na mesma noite, com diferença de poucos minutos. É como se o fotógrafo que fez a foto das Crônicas tivesse esperado a aproximação de um táxi do seu lado esquerdo e, à sua passagem, se agachasse e captasse seu movimento, de baixo para cima. 

Tanto o livro como o disco, através de suas capas, mostram que o centro do mundo de Dylan é Nova York, a Roma Imperial do século 20, o epicentro dos redemoinho que agitou e consumiu o planeta nos últimos cem anos. As duas fotos parecem reproduzir alguma epifania solitária do garoto de Minnesota ao chegar a Times Square, sozinho, à noite, sem um centavo, em dezembro de 1960, no inverno mais frio dos últimos 17 anos, e pensar: “Pronto, cheguei no coração do mundo, agora o resto é comigo”. 

A estética recente de Dylan tem como lema “trazendo tudo de volta para casa”. É um retorno aos ritmos e harmonias básicas do rock e do folk dos anos 1950-60, algo que ele prefigurou nas duas obras-primas de canções alheias que gravou com voz e violão (Good as I Been To You, 1992; World Gone Wrong, 1993). 

Os três álbuns de canções novas desde então (Time Out of Mind, 1997; Love and Theft, 2001; Modern Times, 2006) parecem um único e extenso álbum onde ele aplica as lições do repertório dessas duas coletâneas. 

Dylan faz rock, mas o seu rock é como o petróleo bruto com um milhão de anos, arrancado das veias da Terra. O resto do rock americano são meros derivados do petróleo, como bonequinhos de isopor para decoração de festas infantis.






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