quinta-feira, 6 de agosto de 2009

1180) A sobrevida do Melodrama (24.12.2006)




Uma questão constante de quem trabalha com a Arte da Narrativa (cinema, TV, romance, teatro, etc.) é a onipresença do Melodrama, a tirania do Melodrama, a incapacidade dos narradores de fugir do Melodrama sem se afundar na vanguarda ininteligível ou intragável.

Uso “Melodrama” aqui na mais livre e ampla das acepções: tudo aquilo que faz uma narrativa emocionar, atrair, prender, sacudir uma platéia.

Para uns é algo obviamente importante e necessário: quem não quer fazer isto com o público? Para sujeitos mais reflexivos e menos propensos a arroubos de emoção, o Melodrama é uma praga.

Imaginem um leitor habitual de Samuel Beckett tendo que assistir um capítulo inteiro da novela das 8, e terão uma idéia do que um intelectual desse tipo experimenta ao ser exposto à kryptonita do Melodrama.

Num debate recente no “Re-Cine”, festival de cinema documentário no Rio, a platéia colocou esta questão aos debatedores, e Edgar Navarro, o diretor baiano de O Super-Outro e do recente Eu me Lembro respondeu de uma maneira que me pareceu brilhante, inclusive porque concorda com meu próprio ponto de vista a respeito.

Vou parafrasear de memória; os termos talvez não sejam estes, mas creio que a substância está correta.

“A gente não deve temer o Melodrama nem evitá-lo,” disse Edgar. “Em vez de eliminá-lo, o jeito é assimilá-lo, absorvê-lo, mas mantendo-o sob controle pelo uso de coisas que são o contrário dele. 

Primeira coisa: visão crítica. Usar o melodrama, mas em vez de nos sujeitarmos aos seus clichês e seus processos, mostrarmos que não somos escravos nem devedores dele. 

Segunda coisa: humor impiedoso. O pior melodrama é o que se leva excessivamente a sério, e quando alternamos o Melodrama com humor mantemos alguns aspectos bons que ele tem mas eliminamos seus excessos. 

Terceira coisa: distanciamento brechtiano. Usar os clichês como se os estivéssemos mostrando através de uma vidraça, de uma moldura, de uma visão indireta que está claramente ali, perceptível ao espectador. Aquela cena de Danuza Leão dançando nos corredores do palácio, em Terra em Transe, é melodrama puro, mas é um melodrama brechtiano pela forma como Glauber a filma. 

E quarta coisa: narrativa fragmentada. O Melodrama depende muito do ritmo hipnótico das cenazinhas-com-começo-meio-e-fim, que anestesiam a atenção do público. Quando a gente fragmenta a narrativa, a cada corte inesperado o público tem um sobressalto e acorda”.

Acho uma receita brilhante e vejo nela alguns dos ingredientes de autores visceralmente cerebrais como Borges, Georges Perec, Osman Lins, Raymond Queneau na literatura; e de diretores de cinema pouco chegados ao água-com-açúcar, como David Lynch, Almodóvar, Buñuel.

Todos muito diferentes uns dos outros. Todos usando narrativas ou episódios melodramáticos como isca, mas submetendo-os a uma visão crítica ou construtivista em que o Melodrama deixa de ser tirano, e passa a ser um humilde colaborador.







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