quarta-feira, 5 de agosto de 2009

1172) “Volver” de Almodóvar (15.12.2006)




É um dos melhores filmes que vi de Almodóvar, juntamente com Tudo sobre sua mãe e Carne trêmula. O diretor espanhol tem uma carreira irregular, a meu ver, com filmes que poderiam ser bons mas se perdem em exageros caricaturais. Dá a mesma impressão dos filmes atuais de Woody Allen: o cineasta faz aquilo para agradar a meia-dúzia de amigos que têm gostos parecidos com o seu (o que não é propriamente um defeito) mas que estão dispostos a perdoar qualquer exagero e a elogiar qualquer coisa (e quem tem amigos assim não precisa de inimigos).

Volver começa como um drama familiar, numa daquelas famílias almodovarianas que parecem consistir unicamente de mulheres. Daí a pouco se transforma numa história de crime, e mais adiante numa história de fantasmas. Estas guinadas, ao contrário do que pode parecer, não só são plenamente justificadas pela lógica interna da história, como não têm a menor preocupação de fazer “cinema de gênero”, ou seja, seguir de perto as fórmulas de um tipo de filme. Tanto o assassinato quanto a assombração são intensamente almodovarianos, e a leve inverossimilhança de algumas situações se impõe ao espectador, como em alguns filmes de Hitchcock, pela narrativa impecável, rápida, sem hesitações, e pelas atuações brilhantes de Penélope Cruz e Lola Dueñas, que interpretam as irmãs Raimunda e Sole.

Almodóvar retorna neste filme a um desses mundos femininos em que os homens são coadjuvantes, descartáveis como peças do mobiliário. Mundos em que as mulheres agem sozinhas e conferenciam em grupo; resolvem e providenciam tudo; tomam decisões, assumem responsabilidades, comemoram seus triunfos e pagam caros pelos seus erros. Difere de outros filmes dele por ser uma história sem sexo tórrido, sem paixões arrebatadoras, sem amor. O que existe disto permanece fora de cena, ou implícito no passado. Mas retornam outros temas recorrentes do diretor, como o dos mistérios mal-resolvidos do passado, que não deixam ninguém viver em paz (como no recente Má educação), e as tragédias que parecem destinadas a repetir-se eternamente.

A lenta transição do sobrenatural para o cotidiano é um dos triunfos do filme, e não sei de muitos roteiristas que conseguissem resolver de forma tão satisfatória (e sem solavancos) a fusão entre uma história de fantasma e uma história de crime não-esclarecido. O cinema de personagens, quando bem realizado, tende muitas vezes a ameaçar a eficácia do roteiro. Quando o roteiro (no sentido de enredo bem-amarrado) assume o comando, os personagens ficam manietados, comportando-se “como a história exige”; quando os personagens têm rédea solta, o roteiro vai para o espaço, porque cada um age por si. Almodóvar consegue em seus melhores filmes o difícil equilíbrio entre uma história complexa e bem urdida, que resiste a releituras e exames de coerência, e a aparente imprevisibilidade da vida real através de personagens fortes e de grandes atores. Ou atrizes.

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