Perguntam-me com freqüência por que motivo a Paraíba tem uma tradição literária desproporcional ao seu tamanho ou à sua economia. Tudo que posso fazer são suposições em voz alta.
Penso que o Nordeste teve duas frentes de colonização: a do litoral e a do interior. A do litoral era a colonização oficial, feita de navio, de porto em porto, trazendo as autoridades do Brasil Colônia, do Brasil Reino, do Brasil Império, do Brasil República. A do interior se deu ao longo do Rio São Francisco, com bandeirantes, caçadores de índios, criadores de gado.
Beirando os numerosos rios dos sertões, os desbravadores criaram uma civilização rude, aguerrida, ascética, onde a presença do Estado (fosse em que século fosse) era nula.
Atrás deles, vinha a Igreja Católica, trazendo a alfabetização e a instrução. Esses pioneiros desconheciam a existência das Capitais. Nunca pediram nada a governo. Não vieram de navio, vieram por dentro, chupando imbu.
No Nordeste surgiram estas duas civilizações cujos primeiros choques políticos, econômicos e militares ocorreram no século 19, e cuja crise mais grave foi a Revolta de Princesa – e a Revolução de 30. Cearenses, baianos e pernambucanos talvez discordem, mas, paciência, esta coluna só tem 3 mil toques.
Canudos, Padre Cícero, Guerra de Doze, tudo isto são os grandes épicos do nosso faroeste da vida real, que não deve nada a John Ford ou Howard Hawks.
E por baixo disto tudo, silenciosamente, vinha o Livro.
Pensem, por exemplo, no que foi a explosão da Poesia Barroca em pleno sertão, com os poetas que criaram o Romanceiro Popular Nordestino a partir de 1850: Silvino Pirauá, Ugolino e Nicandro Nunes, Germano da Lagoa. Cantadores como Romano do Teixeira, capazes de compor décimas barrocas de improviso.
E os padres que fundavam colégios em lugares que só vieram ter prefeituras décadas depois. Colégios de onde meninos sertanejos saíam compondo sonetos e declinando em latim.
No livro Editora Globo, sobre esta casa editorial gaúcha, Elizabeth Torresini transcreve um documento de 1927 que diz:
“Há Estados também para os quais essa taxa de analphabetismo fica abaixo de 75,5%. É principal destes o Rio Grande do Sul, onde esse coeficiente é de 64,2% vindo depois Parahyba do Norte com 68,8%, e, depois, sucessivamente: Território do Acre e São Paulo com 70,2% cada um, Santa Catharina com 70,5, Pará 70,7, Mato Grosso 70,9, Paraná 71,8, Amazonas 73,4, Rio de Janeiro 75,3”.
Foi neste Brasil desigual que surgiu o Romance Regionalista dos anos 1930.
Quando entramos em Campina, há uma placa orgulhosa da Pitu: “Esta é a terra de Clementino Procópio”. Outras cidades celebram seus filhos famosos, que saem na TV e figuram nas enciclopédias. Eu me orgulho do fato de minha cidade se orgulhar desse professor anônimo, que do Cajá em diante ninguém sabe quem foi. Campina deve a ele (e a todos que ele aqui simboliza) a grandeza que já teve um dia e que pode voltar a ter.
E não nos esqueçamos que Monteiro celebra, em sua placa de boas vindas, ser a terra natal de Severino Pinto, o Pinto de Monteiro, monstro sagrado do repente.
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