quarta-feira, 15 de julho de 2009

1152) Internetês triunfante (22.11.2006)



Se o mundo fosse lógico não tinha a menor graça. Vejam adolescentes “chateando” pela Internet, por exemplo. Diferentemente do papel, que custa dinheiro e induz à economia material, a Internet oferece espaço quase ilimitado em seus blogs, forums, salas de chat, o que quiser. E existe alguém com mais tempo disponível do que adolescente? No entanto, eles inventaram esta curiosa linguagem cifrada que teoricamente vem para poupar tempo e espaço. Escrevem assim: “Por vc eu faço qq coisa, kkkkkk” E quem lê entende intuitivamente esse tipo de abreviação.

Falei abreviação, mas, mais uma vez, a lógica não predomina. Eles escrevem “kasa”, “koisa”, o que não abrevia coisa alguma. Infiro eu que o uso do K, nesses casos, vem de ser ele um substituto sintético para o “qu”, em “kero”, “kem”, etc. E por contaminação acaba virando hábito e se espalhando para onde não é preciso. Quem usa email ou frequenta blogs se acostuma a entender que “tb”, quer dizer “também”, “pq” quer dizer “porque”, etc. (assim como nós, senhores sóbrios e circunspectos, sabemos que “etc” quer dizer “et coetera”).

O canal Telecine da Net inventou agora um recurso que acho irritante: filmes legendados nesse estilo. Imagino que seja para “atrair o público jovem”. É uma dessas idéias pseudo-brilhantes que executivos de empresa têm, quando estão por trás da escrivaninha, olhando a praia do alto de seu trigésimo andar. E na Nova Zelândia a NZQA (New Zealand Qualification Authority) concordou em considerar correto o uso dessa grafia em trabalhos escolares, “desde que conduza ao entendimento claro do que está sendo expresso”. Está dando a maior celeuma, porque tem educador que não se conforma. Afinal, o que é certo: Aceitar uma forma de expressão que apenas substitui uma grafia por uma forma sintética dela, ou exigir que os jovens escrevam igual a todo mundo?

Os próprios blogueiros ficam desconfiados diante de tamanho liberalismo. Um tal de Phil Stevens escreveu em seu blog: “NZQA, u must b jokin, or r u smoking sumthug?” (em bom português, “6 tão brincando, ou 6 tão fumando qq koisa?”). E de fato, parece o gesto de desespero do pai ou da mãe que desiste e exclama: “Tá bom, tá bom, coloca esse diabo desse piercing, mas pára de me encher!” Sabe que perdeu, aí recua e entrega os pontos.

Eu acho que qualquer novo processo vale, se vier para enriquecer a língua, não para empobrecê-la. Para nos dar um meio de expressão a mais, e não para cancelar os anteriores. Para estimular nossa inteligência, e não nossa preguiça. Gosto de gíria, gosto de jargões profissionais, gosto de neologismos e palavras inventadas, gosto de escrever “vc”, “tb”, e tudo o mais. Mas “sou da tribo e conheço os cabôcos”. Se liberar, essa galera preguiçosa e mimada de hoje vai regredir ao Uga-Uga, linguagem primordial em que estas quatro sílabas servem para exprimir todo o vocabulário dos Lusíadas.

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