quarta-feira, 15 de julho de 2009

1150) São muitas emoções (19.11.2006)



Dizem os estrategistas da cultura de massas que na TV não se deve falar de idéias, e sim de emoções. Não pergunte o que a pessoa pensou quando fez o gol, ganhou o prêmio, ou teve o bebê. O entrevistado vai achar que se espera dele uma grande frase, uma síntese do significado daquele momento, e vai embatucar. E se dissser uma grande frase o público não vai entender, porque é burro. (A burrice do público é o Primeiro Postulado da Geometria Televisiva.) Melhor perguntar: “Qual foi a sua emoção, etc., etc.” Isto, qualquer idiota responde, e qualquer público entende a resposta, até porque na maioria dos casos ele vai na linha do “Ah, foi uma emoção muito forte, eu nem tenho palavras para descrever...”

Talvez seja porque a maioria das pessoas vive uma vida contida, previsível, sufocada. A maioria das emoções fortes que experimenta é diante da TV ou na sala de cinema. E tais emoções são uma versão “diet” do estado alterado de consciência produzido pelas drogas. É uma expansão ou intensificação momentânea da mente, um novo olhar sobre a realidade, uma sensação mais forte de estar vivo, de existir. Tudo isto é efeito de substâncias jogadas na corrente sanguínea por algumas glândulas de secreção interna. Desculpem a descrição meio rude, mas o que diabo é emoção, se não for isto?

Pode ser também porque algumas emoções são domesticáveis, e estabelecemos com elas uma convivência sob controle. Basta ver homens e mulheres numa locadora, escolhendo DVDs. Homens pegam filme de ação e violência, filme de terror, filme de aventura. Mulheres pegam filmes de amor ou filmes de relações familiares. Cada um cultiva o terreno emocional onde sabe que será convocado diariamente a atuar, onde seu desempenho precisa estar à altura. Precisam conhecer extensos cardápios de situações, dissecá-las, evitar surpresas. Ao agir assim, o que o indivíduo busca não é a emoção rara ou exótica, não é a ampliação de repertório. Ele(ela) está buscando a reiteração de estímulos já codificados, a confirmação de expectativas, a busca de nuances e sutilezas num universo de sensações já cartografadas. Tanto o brucutu que vê filme de Chuck Norris quanto a balzaqueana solteira que assiste Sex and the City estão em pleno Curso de Doutorado em suas respectivas áreas.

Repórteres são instruídos a perguntar sempre sobre as emoções. Comerciais de TV apelam mais a elas do que às retinas. Qualquer chamada de programa anuncia: “E não percam amanhã à noite as emoções do programa tal e tal”. A TV sabe que usar palavras como “mente”, “idéia”, “pensamento”, é o mesmo que mostrar cruz a vampiro ou falar de corda em casa de enforcado. As pessoas não vêem TV para pensar. Vêem pelo inegável prazer de acoplar sua mente a um discurso vívido e envolvente, que nunca se detém, e que as faz girar num carrossel mental durante algumas horas, em que não precisam fazer esforço algum além do de experimentar as emoções que lhes são impostas.

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