sexta-feira, 26 de junho de 2009

1133) O motorista (31.10.2006)




Eu morava em Salvador, e peguei um ônibus da São Geraldo para vir passar um fim-de-semana em Campina. O ônibus saía da Rodoviária por volta das 4 da tarde. Embarcamos normalmente e seguimos na direção da BR, por dentro do subúrbio. 

A certa altura, achei o trajeto meio diferente. Não sabia o caminho de cor, mas vi lugares que não recordava. Ruas estreitas, pracinhas, uma feira popular... trechos que não eram habituais no trajeto até a rodovia.

Alguns passageiros se entreolhavam e percebi que todo mundo estava achando o mesmo. Daí a pouco o ônibus começou a subir uma comprida ladeira que levava ao alto de uma colina. Já havia um zum-zum-zum de sussurros entre as poltronas. 

Subimos sacolejando, ao chegar no alto o motorista pegou uma estradinha de terra, mais adiante desviou de lado e estacionou embaixo de uma árvore.

Havia bastante mato e algumas casinhas em volta. O motorista puxou o freio de mão, desceu, rodeou o ônibus e atravessou a rua. Do lado esquerdo (onde eu estava sentado) havia uma pequena ladeira com uns degraus de madeira fincados na terra. Lá em cima, uma casinha simpática, recém-pintada, com um terracinho, uma mesa, e aquelas cadeiras de balanço com armação de ferro e fio plástico entrançado. 

Uma mulher, com uma menina no braço, estava à espera. O motorista as beijou, sentou na cadeira com a menina no colo. A mulher foi lá dentro, trouxe uma poncheira cheia de suco amarelo e um copo. O sujeito bebeu com calma, brincou com a menina, conversou com a mulher, depois bebeu outro copo, levantou-se. Devolveu a menina para a mulher, pegou um pacote grande que estava à sua espera junto à parede, despediu-se, voltou para o ônibus, ligou o motor, fez a manobra e rumamos em paz para a BR.

Qualquer pessoa que ouça uma história como essa vai exclamar: “Só na Bahia!” Um estrangeiro dirá: “Só no Brasil!” 

Ambos estarão errados. Coisas assim acontecem em qualquer lugar do mundo, embora eu ache que sejam mais prováveis na Índia ou no México do que na Suíça ou na Áustria. Os adeptos da seriedade a qualquer preço ficarão escandalizados diante de uma tamanha ofensa ao profissionalismo. Um alemão sairia do ônibus direto para o escritório do Procon mais próximo.

E eu pergunto: por quê? O desvio todo não deve ter custado ao ônibus mais do que vinte minutos, que numa viagem de dez ou doze horas, como era na época, são muito fáceis de recuperar sem sobressalto. O motorista certamente não faz aquilo todas as vezes. Fez porque devia ser uma encomenda urgente, num tempo em que não havia Sedex (era por volta de 1979 ou 80), e mandar por transportadora seria caro e demorado. 

E uma prova de que o brasileiro é tranqüilo é o fato de que nenhum dos passageiros implicou com o motorista. No máximo houve um ou outro comentário bem-humorado tipo “Mas olha só que cara folgado” ou “Ei, rapaz, oferece um suco pra gente!”. Achei este episódio uma lição de civilidade (dos passageiros) e de cidadania. Estarei errado?






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