quinta-feira, 25 de junho de 2009

1126) O gol do gandula (24.10.2006)



O “gol do gandula” aconteceu no jogo entre Santacruzense e Atlético de Sorocaba, no campo do primeiro (interior de São Paulo). O time da casa, que perdia de 1x0, fez um ataque e a bola chutada para o gol saiu pela linha de fundo, batendo na rede pelo lado de fora. A rede amorteceu a bola e esta caiu no chão. De longe, deu impressão de gol, e foi justamente o que pensaram o bandeirinha (que correu para o centro de campo, indicando gol) e a juíza (era uma juíza), que confirmou. Quando começou o bate-boca – porque todos os jogadores próximos ao lance viram o que tinha de fato acontecido – o gandula (que torcia pelo time da casa, claro) chegou de mansinho e empurrou a bola com o pé para dentro do gol. A juíza chegou, ofegante, trazida pelos jogadores do Atlético, mas aí viu a bola no fundo da rede e deve ter dito: “Foi gol, sim, olha a bola aí”.

Quem quiser conferir, tem no YouTube: http://www.youtube.com/results?search_query=Santacruzense). Mas para encurtar a história, o gol valeu, o jogo acabou 1x1. E quando a bagunça foi a julgamento, o tribunal concordou, validou o gol, e manteve o resultado. Isto levanta a questão: alguém tem o direito de mexer no resultado de um jogo de futebol? Na justiça esportiva, o documento definitivo sobre o que aconteceu na partida é a “súmula”, um relatório redigido pelo juiz depois do jogo. O que está ali é lei, e fim de papo. Se na súmula a juíza disse que foi gol mesmo, não adianta a TV ter mostrado ao Brasil inteiro (a esta altura, ao mundo inteiro) que não foi.

Esta discussão se liga lateralmente à questão da interferência da Justiça comum na justiça esportiva. Se um time se sente prejudicado numa decisão dos tribunais esportivos e recorre à Justiça comum, é um Deus nos acuda. Aconteceu várias vezes, e o clube que pratica este sacrilégio arrisca-se a sofrer o pior dos exílios. Basta dizer que houve um ano em que não aconteceu Campeonato Brasileiro, porque a Justiça obrigou a participação do Brasiliense nesse campeonato, e o jeitinho brasileiro foi decretar que nesse ano não haveria Campeonato Brasileiro. Haveria uma “Copa João Havelange”, com os mesmos times que teoricamente iriam disputar o Campeonato Brasileiro – e o Brasiliense de fora, porque a sentença da Justiça não previa “Copa João Havelange” nenhuma.

O futebol é um gueto que não admite ingerências. Quem manda lá dentro são os caciques de sempre. Não querem interferência da Justiça comum; não querem interferência da televisão. Sabem que no dia em que permitirem que um video-tape cancele a decisão de um árbitro, estarão abrindo mão do próprio poder. Não adianta falar em modernização ou mostrar que em outros esportes (o tênis, p. ex.) já se usa o tira-teima eletrônico para decidir jogadas. O gueto jurídico e político do futebol dificilmente abrirá mão da estrutura que montou ao longo de cem anos. É um feudo, um coronelato mais lucrativo do que a indústria canavieira.

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