Tutaméia (1967) é um dos melhores livros de contos de nossa literatura. Ainda assim, na minha opinião pessoal não chega aos pés de Sagarana (1946) e Primeiras Estórias (1962).
No seu primeiro livro, o de 1946, João Guimarães Rosa estabeleceu um tipo de conto em que se casavam com perfeição estilo, tema e formato. O melhor formato para Rosa é o conto longo, ou noveleta, como são as histórias de Sagarana (especialmente “A Hora e Vez de Augusto Matraga”) e de Corpo de Baile, livro tão maciço que depois foi desmembrado em três.
Um romance como Grande Sertão: Veredas é exceção. Mesmo que Rosa tivesse vivido até os 90 anos (ou seja, até 1998), não sei se teria chegado a produzir outro livro com aquelas dimensões, aquela escala.
Primeiras Estórias é magnífico, é superior a Tutaméia (publicado no ano da morte do autor), mas já começa a denunciar certos maneirismos, certo excesso de síntese, que, paradoxalmente, é um dos cacoetes do estilo barroco.
O Barroco não é apenas extensão desmedida, proliferação caudalosa, multiplicação de formas, excesso de adornos e de mecanismos crescendo em todas as direções. O Barroco tem também um crescimento para dentro, gerando obras de pouca extensão onde o autor se força a empurrar, enfiar, calcar, espremer a maior quantidade possível de efeitos, como se estivesse querendo ganhar uma aposta.
Os primeiros sintomas disto são visíveis, muito de leve, em Primeiras Estórias, e o processo todo desabrocha triunfante em Tutaméia.
Os livros póstumos (Ave, Palavra e Estas Estórias) têm a ressalva de não serem textos finais, aprovados em definitivo pelo Autor; mas estão mais parecidos com Tutaméia do que com Sagarana.
Parece que o sucesso literário e os compromissos diplomáticos de Rosa se avolumaram após o sucesso dos dois livros de 1956 (Grande Sertão e Corpo de Baile), e nos onze anos de vida que lhe restaram ele não pôde se dedicar à escrita na mesma medida de antes. Tinha muitas histórias para contar e sabia não dispor de muito tempo para contá-las.
A 2a. edição de Corpo de Baile, em volume único, tem sete histórias em 513 páginas. Tutaméia tem 40 contos e quatro prefácios em menos de duzentas.
O “maneirismo” destes últimos contos, o estilo quase criptográfico, a sintaxe cada vez mais truncada, tudo indica a presença de um escritor que precisou optar por esta maneira telegráfica de escrever, por causa do ritmo truncado, ziguezagueante, do seu cotidiano – dividido entre o trabalho de gabinete, as viagens constantes, a copiosa correspondência com a família e os amigos, a supervisão das várias traduções, os compromissos sociais e diplomáticos do Itamaraty.
No auge do sucesso, Rosa devia recordar com saudade o período de relativa “sombra, silêncio e solidão” pré-1956, que lhe permitiu publicar no mesmo ano duas obras colossais como Grande Sertão e Corpo de Baile, seus melhores livros.
Eu não poderia concordar mais. Principalmente com o primeiro parágrafo. Rosa era um gênio acima de qualquer questionamento. Isso posto, também sinto que seu ego falou mais alto muitas vezes ao longo de sua vida, e ele se deixou ser um, digamos, "epígono de si mesmo".
ResponderExcluirQuanto a Tutameia (agora não pode mais acentuar, se bem entendi), li em algum lugar que a linguagem telegráfica é resultado da necessidade que ele teve de concentrar suas histórias, ops, estorias, no espaço restrito de uma coluna de jornal. Não sei se procede, mas faz sentido.
É verdade, Diogo. Os contos de Tutameia eram publicados em revista (não lembro agora qual, mas é algo fácil de apurar) e tinham tamanho limitado. Como estes meus artigos, aliás. Uma coisa se juntou à outra, e nunca mais JGR pôde fazer algo com as dimensões do Recado do Morro.
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