quinta-feira, 18 de junho de 2009

1096) Bem feito, Paris Hilton (20.9.2006)




Não sei se o caro leitor já ouviu falar em Paris Hilton. Como descrevê-la? Ela parece não ter qualquer essência acessível. É uma colcha-de-retalhos de aparências sem um Ser-em-Si por dentro. Recorrerei, portanto, a circunlóquios e símiles. Paris Hilton, jovem milionária norte-americana (seu pai é dono da cadeia de hotéis Hilton) é uma mistura de Adriane Galisteu, Narcisa Tamborindeguy e Laurita Mourão. A imprensa a descreve como uma multi-profissional: modelo, atriz, escritora, cantora, designer... Ela é aquilo que antigamente os cronistas sociais chamavam de “uma locomotiva do jet-set”, uma pessoa que “é notícia”, faça o que fizer ou deixar de fazer.

Paris lançou há algum tempo um CD onde se apresenta como cantora. O disco está vendendo, e a louríssima cantante inspirou uma idéia ao artista britânico Banksy (http://www.banksy.co.uk/menu.html), que faz ótimas intervenções de “graffitti” nas ruas de Londres. Banksy pegou o disco de Paris, copiou, remixou as faixas, deu-lhes títulos como “Why am I Famous?”, “What have I done?” e “What am I for?”. Imprimiu novas capas com imagens de Paris Hilton com os seios de fora ou com cabeça de cachorro. Deu-se o trabalho de produzir 500 cópias destes álbuns “interferidos” e as espalhou clandestinamente nas prateleiras de cerca de 50 lojas de discos em várias cidades da Grã-Bretanha.

Paris não pode se queixar. Se o que ela gosta é aparecer, a performance desconstrutiva de Banksy está abrindo para ela espaços onde seu nome jamais seria mencionado, a começar por esta modesta coluna. E ela não pode se queixar do caráter apócrifo das obras. Paris apareceu em março de 2005 na capa da Playboy... sem ter posado para a revista. Li algumas matérias sobre este episódio, que não me pareceu muito bem esclarecido. Quem apareceu na capa foi uma dublê igualzinha a ela (o que não é difícil, porque de lourinhas daquele tipo as calçadas americanas estão cheias). Entre a modelo e a revista, não se sabe qual das duas é mais interesseira, mais raposa, mais espertalhona.

No saite de Banksy há um texto mais ou menos assim: “Guia Para Coisar Coisas. 1) Nunca escreva um guia ensinando outras pessoas a coisar coisas”. Banksy faz pichações (desenhos) em paredes, faz performances, faz esses atos de guerrilha cultural tão em moda hoje em dia. Segundo informa a imprensa, as lojas conseguiram reaver apenas 7 dos discos interferidos. Nenhum cliente que comprou um deles reclamou. Paris Hilton é um ponto extremo da indústria cultural, o comercialismo mais destituído de significado, todo o poder do dinheiro e da alta tecnologia em benefício de um produto totalmente vazio. Banksy é um artista de vanguarda que interfere no lixo para dar-lhe significado através da desconstrução crítica. Ironicamente, a existência cultural de Paris Hilton acaba sendo justificada exatamente por quem ataca sua falta de significação.

Um comentário: