quarta-feira, 17 de junho de 2009

1093) Dylan no número 1 (16.9.2006)



A música de Bob Dylan é aquilo que em inglês se chama de “acquired taste”, um gosto adquirido, algo de que a gente não nasce gostando, mas precisa aproximar-se aos poucos, experimentar, ir-se afeiçoando, ir descobrindo. No começo de sua carreira nos anos 1960 Dylan foi a “voz de uma geração” (perdão pelo clichê). Os jovens o compreendiam intuitivamente, sabiam por instinto o significado de seus versos surrealistas, de sua voz nasal e desafiadora, do som mercurial das guitarras e teclados que atapetavam seus quilométricos poemas. Os tempos mudaram. Os jovens de hoje acham que a vida é uma propaganda de refrigerante; não se sentem pressionados a questionar o mundo, a reinterpretá-lo, a interferir nele. Dylan é um deleite de minorias.

Os tempos estão mudando? A imprensa noticia que o novo disco de Dylan, Modern Times chegou ao primeiro lugar nas vendagens dos EUA, fato que não acontecia desde 1976. Naquele ano, ele lançou Desire, disco impulsionado pelo sucesso da faixa “Hurricane”, composta em defesa de um boxeador negro acusado injustamente de homicídio. Com a marca obtida agora, Dylan aos 65 anos tornou-se o artista mais velho a alcançar o número 1 de vendas na semana de lançamento, e o artista a deter o intervalo mais longo entre dois primeiros lugares (30 anos). Eu acho isso um detalhe secundário, mas como os americanos vêem nesses números uma importância transcendental e cósmica, fica aqui o registro.

Dylan não está nem aí para recordes. Continua na estrada: tocou dia 3 em Pensilvânia, dia 5 em Fort Wayne (Texas), dia 7 em Rochester (Minnesota), dia 8 em Sioux Falls (Dakota do Sul), dia 9 em Fargo (Dakota do Norte)... Já está mais velho do que seu ídolo da juventude: Woody Guthrie, o Luiz Gonzaga norte-americano, que morreu aos 55 anos.

Para os que enxergam significados cabalísticos nas datas, aqui vai um detalhe desses que eu acho que eu sou o único a lembrar. O dia 11 de setembro de 2001, hoje tristemente famoso, era um dia que estava anotado na minha agenda como o do lançamento do disco Love and Theft de Dylan, o último que gravou antes de Modern Times. Os dylanmaníacos do mundo todo estavam ligados nesse dia, esperando as reações da imprensa, as críticas, etc. e tal. De repente, o mundo acabou. Será coincidência que Dylan tenha escolhido as proximidades dessa data para lançar seu disco seguinte, onde (dizem) está mais apocalíptico do que nunca?

Dylan tem uma voz às vezes insuportável. Já escreveu canções medíocres, em quantidade que encheria vários CDs. Aos vinte-e-poucos anos entrou de cabeça no jogo sujo das drogas, das gravadoras e do show business; conseguiu sair, depois entrou de novo, e vem assim há quarenta anos. Virou cristão, virou judeu, depois virou roqueiro de novo. Quando sobe num palco, tudo pode acontecer, desde um show morno até uma noite transcendental. É um clássico: alguém de quem sempre se espera o melhor. E que geralmente consegue.

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