quinta-feira, 11 de junho de 2009

1088) Mario Quintana (10.9.2006)




Nas comemorações do centenário do poeta gaúcho, a Nova Aguilar lançou sua Poesia Completa num só volume, coordenado por Tânia Franco Carvalhal. Comprei-o numa promoção pela pechincha de R$ 105,00. Como são quinze livros num só, saiu cada um por R$ 7,00, com a vantagem adicional da portabilidade, e da circunstância de que eu não tinha nenhum livro de Quintana, grave omissão da qual me penitencio em público.

Quintana é um poeta múltiplo e simples, capaz de sonetos impecáveis, divertidos epigramas em prosa, versos líricos de grande intensidade emotiva (através da contenção, e não do derramamento), tiradas filosóficas cheias de originalidade e profundeza. A onda do poeminha curto, tão cultivada pelos autores jovens nos anos 1970-80, foi em grande parte atribuída à influência de Oswald de Andrade, Paulo Leminski, etc. Não acho que se deveria omitir Quintana desse panteão. 

Sua poesia era menos polêmica, era discreta; mas era onipresente. Todo mundo lia e entendia Quintana, todo mundo percebia por trás de sua aparente ingenuidade infantil e do seu humorismo de ocasião uma mente complexa e sutil. Quintana tinha a perigosa ironia dos delicados, dos que se sabem incapazes de dar um soco em quem quer que seja e precisam cultivar outros métodos. Era incapaz de matar uma mosca, mas se uma mosca o importunasse ele certamente saberia afugentá-la com um simples adjetivo.

Ah, quem me dera, ante o espetáculo do mundo, 
sem mais hesitações e sem maior fadiga, 
esse instantâneo olhar, incisivo e profundo, 
com que julga a mulher as ‘toilettes’ da amiga! 

Pois era exatamente isto que ele tinha. Tinha o olho ingênuo e sábio de um Marc Chagall. Ou, mais brasileiramente, o olho e a mão de cartunistas como Appe ou Borjalo. A mesma economia de meios, a mesma precisão cirúrgica no traço, a mesma percepção instintiva dos pequenos absurdos poéticos do cotidiano.

Seus livros eram recolhas heterogêneas de versos, poemas em prosa, anotações fugidias, piadas, memórias. Não tinham jeito de livro de poemas; pareciam ser a transcrição “ipsis litteris” de seus cadernos de anotações (e um deles, justamente, chama-se “Caderno H”). 

Quintana era um desses ensimesmados que não têm medo da obviedade, porque mesmo quando escrevem um lugar-comum dão-nos a impressão de que chegaram a ele por esforço próprio, por uma lenta encadeação de idéias, como um sujeito que inventasse uma nova maneira de demonstrar que dois mais dois são quatro. “Se alguém acha que estás escrevendo muito bem”, diz ele, “desconfia. O crime perfeito não deixa vestígios”.

Há uma pequena fábula de Quintana em que um mendigo acha no lixo a lâmpada de Aladim, mas acaba preferindo levar consigo uma chaleira sem tampa, que lhe parece mais útil. Há um poema em que ele homenageia Ray Bradbury dizendo ser ele “a nossa segunda vovozinha velha / que nos vai desfiando suas histórias à beira do abismo”. Tudo que ele escreve parece um auto-retrato dele e um retrato nosso.






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