quarta-feira, 10 de junho de 2009

1081) Pinto do Monteiro (2.9.2006)



Encerra-se hoje a programação do Projeto “Paraíba com Memória” em homenagem ao repentista Pinto do Monteiro, em sua cidade natal. Desde 22 de agosto foram realizadas palestras, apresentações musicais, cantorias, oficinas. Esta noite terá lugar o XXV Festival de Violeiros do Cariri Paraibano, e bem que eu gostaria de poder estar presente para ouvir os belos versos de Moacir Laurentino e João Paraibano, as tiradas imprevisíveis de Louro Branco e as mentiras de João Furiba.

Furiba é o que tem mais histórias sobre Pinto, com quem cantou durante anos. Num meio competitivo e cheio de vaidades como o da Cantoria de Viola, é impressionante a unanimidade construída em torno da figura do cantador de Monteiro. Pergunte-se quem foi o maior repentista de todos os tempos e ele sempre terá maioria absoluta de votos. Qualquer grupo de cantadores é capaz de relembrar sextilhas de Pinto durante horas a fio. Pinto tinha a inteligência rapidíssima necessária à composição do verso capaz de desarmar, peça por peça, o verso que o companheiro acabou de cantar, como se tivesse tido tempo para analisá-lo, neutralizar seus pontos fortes e bombardear seus pontos fracos.

Algum tempo atrás me disseram que o edifício mais alto que tem hoje na cidade de Monteiro é a sede da banda Os Magníficos. Desejo sucesso à banda, como desejo a todo mundo que trabalha duro e honestamente; mas confesso que não é o tipo de música que mais me agrada. Deve ser um sinal dos tempos o fato de que a cidade de Pinto é hoje conhecida como a cidade dos Magníficos.

Vi-o cantar umas três ou quatro vezes, mas não considero. Pinto já estava com mais de 80 anos, o pulmão cansado, a voz quase ininteligível. Quem o viu no auge, lá pelas décadas de 1940-1960, não esquece sua verve irônica e sarcástica, sua poderosa observação da Natureza (inclusive a “natureza humana”, nossos pequenos defeitos, nossos cacoetes imperceptíveis), seu vocabulário simples mas rico, e implacavelmente preciso. E principalmente sua fluência. Uma característica dos grandes versos de Pinto é a sua aparente espontaneidade, o modo como aquilo que ele está dizendo se distribui ao longo das linhas, e das rimas obrigatórias. Todo cantador dá uma ajeitada aqui e ali, inverte uma frase de posição para encaixar na rima, dá uma engolida num termo para acomodar na métrica... O verso de Pinto, em geral, corre manso do começo ao fim, sem solavancos, perfeitamente encaixado na fôrma. Era como se ele viesse de um planeta onde só se pensa e só se fala em forma de sextilha.

Era ranheta, ranzinza, “baixinho invocado”. Uma espécie de Seu Mandury de viola em punho, sempre de bote armado, sempre pronto para dar-um-toco no primeiro sujeito que dissesse alguma coisa fora do tom. Pelas histórias que ouço a seu respeito, todos o temiam, e todos o adoravam. Impôs-se pelo caráter e pelo talento, e não conheço uma maneira mais duradoura para um sujeito se impor em seu próprio tempo e nos tempos que virão.

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