quinta-feira, 21 de maio de 2009

1044) Mickey Spillane (21.7.2006)



Faleceu dias atrás Mickey Spillane, que a maioria dos meus leitores talvez não conheça. Não perderam grande coisa. É duro dizer isso da obra de um sujeito que acaba de morrer, mas eu já pensava isto quando ele era vivo, e não vejo motivo para não continuar pensando. As fotos dos obituários o mostram um pouco antes dos 88 anos com que faleceu. É um desses americanos que tanto admiro, por serem diferentes de mim: corpulentos, sólidos, sem papas na língua, um desses sujeitos que sabem pescar com caniço, consertar um motor de popa, podar uma cerca, pilotar um teco-teco.

Um desses caras eminentemente práticos, meio rústicos, com espírito pão-pão-queijo-queijo, e que um dia acabam desembocando na literatura por uma combinação de circunstâncias que nada tem a ver com as Faculdades de Letras ou as aspirações acadêmicas que dão partida nas carreiras de romancistas do Brasil. Spillane escrevia romances policiais do tipo “hard boiled”, com detetives durões que conquistam louras curvilíneas e desvendam os crimes espancando os suspeitos. Estimativas conservadoras falam que sua obra vendeu mais de 200 milhões de exemplares ao longo de cinquenta anos, a partir de seu primeiro grande sucesso, I, the Jury (1946), seguido por outros arrasa-quarteirões como Vengeance is Mine (1950) ou Kiss me Deadly (1955). Em 1952, The Long Wait vendeu 3 milhões de exemplares em uma semana.

O obituário da Associated Press transcreve um típico trecho de briga, em The Big Kill: “Acertei o queixo dele com o lado da arma, cortando a carne até expor o osso. Empurrei seus dentes boca adentro com o cano, e quando ele caiu fiquei chutando sua cara. Ele ficou caído junto à porta, borbulhando. Chutei de novo, e ele parou de borbulhar”.

Houve um momento em que Spillane teve sete entre os dez livros mais vendidos na história da literatura americana. (Isto nos diz algo sobre o mundo de hoje.) Seus grandes sucesso tinham como herói o detetive Mike Hammer, que no cinema foi interpretado por vários atores durões e, em The Girl Hunters, pelo próprio Spillane, que tinha talento para o marketing pessoal, sendo um convidado freqüente em talk-shows, e, durante alguns anos, gravou comerciais de cerveja Miller para a TV.

Spillane desdenhava a literatura. Dizia ser um “escritor”, não um “autor”, e dizia que seus personagens não usavam bigode nem bebiam conhaque porque ele não sabia soletrar “moustache” e “cognac”. Aos críticos, costumava dizer que amendoim torrado vende mais do que caviar, e que não tinha “fãs”, mas “fregueses”. J. Traylor e M. Collins, na enciclopédia “Whodunit”, comentam: “Desde o primeiro livro Spillane capturou a psique da América, desde sua perda da inocência após a II Guerra até a década de 1980 com sua ausência de sentido e de direção. Seus livros nos dão uma descrição selvagem e lírica da alma ferida da América”. Registro sua morte como registrei sua existência: com atenção e sem entusiasmo.

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