quinta-feira, 21 de maio de 2009

1041) Os Lusíadas em inglês (18.7.2005)




Eu estava viajando na Internet à procura de uma coisa inteiramente diferente, quando me deparei com esta preciosidade: o texto completo (disponível para cópia, por ser de domínio público) de uma das traduções de Os Lusíadas para o inglês. 

É sempre educativo examinar um texto que conhecemos mais ou menos bem, e ver as soluções encontradas por um tradutor competente. 

Há mais de uma tradução inglesa do poema. A que está disponível no saite “Sacred Texts” (que não tem apenas textos sagrados, ou religiosos, mas textos de importância histórica geral) foi publicada pela primeira vez em 1776 (a edição transcrita é de 1877), e é de autoria de William Julius Mickle. 

O próprio saite informa que a tradução mais conceituada é de Landeg White, e que existe uma tradução em prosa feita por William Atkinson.

O que chama mais a atenção na tradução de Mickle é que ele jogou pela janela um dos aspectos mais característicos do poema de Camões, seu formato estrófico. Em vez da clássica “oitava” com linhas rimando no esquema ABABABCC, temos um poema feito em “couplets”, sem estrofes separadas, onde as rimas se sucedem aos pares: AABBCCDD... É um formato estrófico clássico, muito apreciado na poesia inglesa, mas que aqui me soa como uma descaracterização.

Em todo caso, é fascinante pegar a estrofe 1 do Canto I e ler: 

Arms and the Heroes, who from Lisbon’s shore 
Thro’ seas where sail was never spread before 
Beyond where Ceylon lifts her spicy breast 
And waves her woods above the wat’ry waste... 

O texto se reorganiza, distribuindo-se de forma diferente no interior das linhas, substituindo palavras (a “Taprobana” de Camões é traduzida pelo seu sinônimo mais conhecido, “Ceilão”). 

A métrica também foi alterada. A introdução ao texto diz (erradamente) que Camões usou um metro de doze sílabas, quando na verdade o poema é feito em decassílabos. Já a tradução de Mickle usa aquilo que em poesia inglesa de chama de “pentâmetro iâmbico”: cinco células rítmicas, cada uma delas formada por uma sílaba fraca e outra forte, dando a cada linha um ritmo assim: di-DUM-di-DUM-di-DUM-di-DUM-di-DUM.

Estamos em 1776, e os conceitos de propriedade autoral e liberdade de tradução são outros. Não é de admirar que (adverte-nos o comentarista) Mickle tenha omitido estrofes inteiras “em que Vasco da Gama incorre em conduta censurável”, e que tenha inserido no poema de Camões cerca de trezentos versos descrevendo uma batalha marítima que não existe no original. 

As liberdades do tradutor tornam muito difícil localizar trechos específicos, até porque não temos o referencial visual e numérico das estrofes. O famoso “Não mais, Musa, não mais, que a lira tenho / destemperada, e a voz enrouquecida” se metamorfoseia em: “Enough, my muse, thy wearied wing no more / Must to the seat of Jove triumphant soar.” 

Quem quiser refrescar a memória pode consultar os Dez Cantos completos em: http://www.sacred-texts.com/neu/lus/index.htm.








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