terça-feira, 19 de maio de 2009

1031) Favoritismo (6.7.2006)


(Brasil 0x1 França)

Parecia um samba de uma nota só. Desde que saiu a lista de convocação da Seleção, um enxame de jornalistas passou a crivar Parreira com todas as variantes possíveis da mesma pergunta. O Brasil é favorito? Por que o Brasil é favorito? Você acha que o favoritismo do Brasil pode prejudicar o desempenho? Como lidar com o favoritismo? E assim por diante. Parreira negaceou, negou, irritou-se, mas acabou entregando os pontos e dizendo, numa entrevista histórica: “Precisamos assumir que somos mesmo favoritos”. Era tudo que a imprensa queria.

Temos uma carência profunda, freudiana, de que nosso time entre numa competição como “franco favorito” (eita adjetivozinho irônico). Eu sou o contrário. Gosto de entrar como franco atirador (lá vem o adjetivo de novo, parece um trauma), como zebra, azarão, que entra em campo sem ser percebido e vem comendo o campeonato pelas beiras como fez em 94. Pegar o adversário de surpresa, enquanto ele se distrai com a própria arrogância, a própria vaidade, o próprio favoritismo.

É fácil explicar a ânsia infantil de nossa imprensa e de nossa torcida pelo favoritismo. É o medo da disputa. É o medo de encarar a batalha, de bater de frente com o inimigo. Ficamos angustiados com a possibilidade de não conquistar o título, e resolvemos comemorar o título por antecipação, porque mesmo que venhamos a perder (como aconteceu agora), a maior parte da festa já aconteceu. Essa mentalidade contamina os jogadores, ainda mais cercados daquele oba-oba idiota: treinos sob aplausos, mocréias que invadem o gramado para se agarrar com os jogadores. Nosso time não se esforçou porque já estava cansado de comemorar o título por antecipação. É como dizia o Coronel Galdino (com vocabulário mais regional e mais descontraído, claro): “Se o orgasmo viesse no começo, ninguém se daria ao trabalho de consumar o intercurso”.

À Seleção de 2006 aplica-se a crítica feita por Zico após a derrota de uma de nossas seleções olímpicas: “O problema é que eles foram buscar uma medalha, e as outras seleções foram disputar uma medalha”. Leio no jornal que em Chapecó (SC) um grupo de desorientados queimou uma estátua de Ronaldinho Gaúcho, que outro grupo de desorientados tinha erguido alguns anos atrás. Estes saltos maníaco-depressivos, em que passamos da euforia para a caça-às-bruxas, são um registro eloqüente da nossa infantilidade emocional. Somos como o menino mimado que, quando um brinquedo emperra, ele, em vez de tentar consertá-lo, joga-o pela janela do apartamento. Nossa Seleção tem excelentes jogadores, e repito o que já escrevi aqui: se jogassem como num clube, treinando juntos, decentemente, o ano inteiro, formariam um time quase imbatível. Nossa faxina emocional teve início na noite de sábado passado. Os Reis do Futebol estão nus. Recomecemos de baixo, galera! Eu prefiro assim. Vai doer, mas é o caminho mais promissor para o nosso desempenho na Copa de 2010. Brasil-ziu-ziu!

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