sexta-feira, 8 de maio de 2009

1013) O horizonte de expectativas (15.6.2006)



Já referi nesta coluna (“O ambicioso”, 22.4.2005) uma entrevista em que Gilberto Gil aconselhava os artistas a quererem muito, ousarem muito: “O artista tem que lançar seu verso lá no alto, como o alpinista lança sua corda. Se o verso for longe, ele vai conseguir ir longe também”. Algo assim. Este é um dos pontos em que acho que o Espírito do Tempo, o Zeitgeist de nossa época, tem algo de positivo. Como todos sabem, estamos num tempo que cultua a ambição, a ousadia, a eficiência, a busca de resultados, a demonstração de força, o espetáculo da competição e da competência. Para os jovens, que já nasceram no interior dessa bolha febril da busca do sucesso, parece muito normal. Mas, creiam-me, houve época em que o quente não era fazer sucesso, era ter uma visão-do-mundo (ver “Weltanschauung”, 4.2.2006).

É por causa disto que causa-me espécie um tipo peculiar de desambição que acomete nossos jovens em idade escolar. Por exemplo: tem certos colégios secundários (estou falando em “colégios bons”, na faixa de 700 paus por mês) onde se exige média 6 para passar de ano. O aluno tem três provas trimestrais, e se fizer 18 pontos na soma das notas, tá passado. Maravilha! Só não digo que é mamata porque mamata melhor ainda era no meu tempo. O sujeito passava com 50 pontos: tinha seis provas mensais (valendo 10, claro) e mais a nota da prova final, que era multiplicada por quatro. Vamos e venhamos, o “caba” que não faz 50 pontos num sistema como esse merece sela e cabresto.

Mas os garotos de hoje vivem uma situação interessante. “Eu preciso de 6 pra passar”, dizem eles. E o objetivo deles é o que? Tirar 6. Dão de ombros para a possibilidade de tirar 7 ou 8. “Não precisa,” esclarecem eles, com rara paciência; “se tirar 6, passa”. A nota 6 vira, portanto, o objetivo final de todos os seus esforços. Um garoto já se saiu com esta pérola: “Eu preciso de 6, então não preciso estudar a matéria toda: basta estudar a metade e mais um pouquinho”. Não é uma maravilha, a futura elite deste país?

É claro que pais, mães, professores, fazem o que podem para tirar os garotos dessa roubada. “Você precisa é de 10,” dizem uns. “Tem que tentar tirar 10, mesmo sabendo que um 9, um 8 ou um 7 são notas também boas”. Não adianta: eles se agarram ao 6 como a uma tábua de salvação. Não adianta explicar-lhes que 6 não é o objetivo, e sim o pior resultado aceitável. Seis, para eles, é a nota do alívio, a garantia das férias e do presente prometido “por passar de ano”. É a lei do menor esforço possível para conseguir o mínimo resultado necessário: a Lei da Má Vontade.

É devido a essa mentalidade que quando eles crescem vão jogar futebol, o time entra no mata-mata na Copa do Brasil, aí no primeiro jogo vence por 2x0. Na véspera do segundo jogo os jogadores se saem com esta pérola: “Estamos tranquilos, porque nosso time precisa perder de 1x0 para ser campeão”. E eles entram em campo tentando perder de 1x0. Adivinha no que dá!

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