sábado, 2 de maio de 2009

1005) “Rock in Rio em Lisboa” (6.6.2006)



Eu não tenho nada contra o rock-and-roll, que bem ou mal é a trilha sonora da minha adolescência. Tenho que carregá-lo vida afora, como uma tatuagem que a gente mandou fazer aos quinze anos e aos cinqüenta continua dando explicações. Em termos da Cultura Ocidental é mais um exemplo de rebeldia individual transformada em culto-ao-Ego, e de contestação política transformada em consumo-de-massa. Nada tenho também contra Lisboa, cidade onde fui muito bem recebido e onde reencontrei uma parte essencial da minha brasilidade. Mas... vocês não acham que esse negócio de “Rock in Rio em Lisboa” soa um pouco esquisito?!

Não é o que acha seu promotor, o publicitário Roberto Medina, que criou o Rock in Rio em 1985 e recentemente transferiu o evento para a capital portuguesa, onde decerto encontra facilidades e isenções fiscais (não sei, estou imaginando) que não encontraria aqui. Diz Medina sobre este hibridismo municipal: “O Rock in Rio deixou de ser uma marca de uma cidade. Ele passou a ser uma marca própria. Por isso, mesmo estando em outra cidade, não mudo o nome do festival. Se Woodstock saísse do Estados Unidos e viesse para Portugal, manteria o mesmo nome”.

Muito bem; o assunto rock morreu por aqui. O que eu quero falar mesmo é sobre o conceito de “marca”. Quando alguém cria um produto e impõe um padrão de qualidade (ou pelo menos um certo perfil de produto que agrada a um certo perfil de público) nada mais justo que a marca desse produto (nome, logotipo, razão jurídica, etc.) pertença ao sujeito que o criou. Um problema que se cria às vezes é quando a marca foi criada por um grupo de pessoas, como ocorre com freqüência com grupos musicais. Quando o grupo racha ao meio, qual das duas metades tem mais direito ao nome?

Outra questão cada vez mais freqüente é a abertura indiscriminadas de auto-franquias. O melhor exemplo é a banda Mastruz com Leite (também conhecida como Avestruz com Leite), que na verdade não é uma banda, é uma marca criada por um empresário, que contrata instrumentistas e os remete para diferentes cidades no mesmo dia, onde todas se apresentam com o nome Mastruz Com Leite.

Profetizo agora (lápis e papel na mão, por favor) que o conceito de marca irá se sobrepor ao conceito de artista, de tal forma que daqui a alguns anos o cantor de maior sucesso no Brasil será um “José da Silva” qualquer, que venderá milhões de discos e terá uma agenda tão apertada que um dia alguém dirá: “Ô Zé, está cheio de imitadores teus por aí, alguns até cantando melhor do que você... Vamos abrir franquias! Vamos expandir a marca!” E esses clones serão atraídos, contratados, ensaiados e despachados para diferentes cidades, de tal modo que “José da Silva” fará show no mesmo fim-de-semana no Rio, em Campina Grande, em Corumbá, em Vitória... Ninguém perceberá, e mesmo que perceba não irá se queixar, porque o show, a iluminação, os arranjos, as bailarinas e os fogos de artifício serão rigorosamente os mesmos.

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