domingo, 12 de abril de 2009

0971) O poder da natureza (27.4.2006)



Viver em contato com a Natureza acaba deixando um sujeito meio religioso. Observar animais e vegetais é uma atividade inquietante do ponto de vista filosófico, porque nos mostra uma manifestação da Vida que não depende de nós para existir, e mais ainda, não depende de nós para significar. Bichos e plantas podem ser domesticados, escravizados, caçados e tudo o mais. Mas tudo isto não passa de uma interferência nossa num mundo que não nos pertence, que num certo sentido não nos diz respeito, e que existiria, muito-bem-obrigado, mesmo que a Humanidade não tivesse aparecido no planeta. E que continuará existindo, provavelmente, caso a Humanidade venha a se extinguir por meios menos deletérios do que guerra nuclear ou semelhantes.

A Natureza é um sistema ao mesmo tempo organizado e caótico. Organizado porque bem ou mal são milhões de anos de evolução que resultaram nos animais maiores, nos pássaros, nos peixes, nos insetos e tudo o mais. Estas espécies “deram certo” até agora; estão todas interligadas, e funcionando a contento. E caótico porque, de uma perspectiva estritamente científica, esta espantosa variedade de seres que funcionam e se reproduzem perfeitamente não foi planejada nem executada por ninguém. Cresceu dentro de um sistema de choques, ajustes, disputas, guerras e adaptações, onde cada espécie e cada indivíduo, meio às cegas, procura equilibrar sua presença à presença de outras espécies e indivíduos.

Quando um sertanejo planta um milharal e fica à espera, ele se sente dialogando com forças ocultas e subterrâneas que nunca estão sob seu controle. Ele faz o que pode para compreender como agem aquelas forças, e para extrair delas o alimento de que precisa. Mas por mais que execute passo a passo os procedimentos que aprendeu pela tradição, nem isto é garantia suficiente de que o processo todo dará certo, porque este depende de aspectos imprevisíveis. O solo, as pragas, as chuvas... Controlar tudo isto é uma utopia, e a relação do homem com a Natureza é sempre um diálogo cifrado, uma negociação, através de ritos e de recados, com um Poder velado e inacessível.

Daí que a agricultura seja tão revestida de rituais propiciatórios, da re-encenação de cerimônias, da manutenção de procedimentos onde o temor do fracasso é atenuado por uma história milenar de sucessos. O agricultor, como o alquimista ou o místico, é alguém que trabalha, espera e confia. Mesmo a agricultura arrogante e mecanizada das grandes culturas tipo soja admite, por dentro de sua carapaça de laboratórios e recursos high-tech, um núcleo angustiado de dependência de fatores aleatórios (as decisões políticas, as flutuações cambiais, etc.) que talvez sejam manifestações duplamente indiretas desses poderes que nunca conseguimos sequer compreender, quanto mais domesticar. Os processos reguladores da economia internacional, à medida que ela se avoluma, ficam cada vez mais semelhantes aos processos reguladores dos fenômenos meteorológicos.

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