segunda-feira, 6 de abril de 2009

0952) O Diabo: o homem que não sua (5.4.2006)




(O sheriff Cooley, em O Brother, Where Art Thou?)

Lembro de ter lido, não sei onde nem quando, uma menção ao Diabo como sendo “um homem que nunca sua”. Essa referência veio se somar a outras vindas da tradição popular, onde o Demônio é sempre um indivíduo que aparece de repente, que nunca ri, que atravessa paredes... 

No Romance da Pedra do Reino de Ariano Suassuna, podemos encontrar no Folheto LVI: 

“Garanto ao senhor: eu tenho muito mais medo e muito mais horror ao Diabo das cidades, que tem cara de funcionário aposentado, que anda às vezes de bicicleta, vestido de preto, com chapéu-coco, com um ar esquerdo e maldoso, em pleno sol, sem suar nada, absolutamente nada, o que, como todo mundo sabe, é coisa do Danado!” 

Essa confirmação sempre me pareceu consequência do fato óbvio de que o Diabo não sua porque não está com calor. É claro! Muito mais calor faz no Inferno, e quando transita por aqui ele deve estar é batendo-o-queixo de frio.

Guimarães Rosa, que nunca me deixa mentir, também o atesta, por vias indiretas, quando faz Riobaldo afirmar, logo depois de fazer o pacto com o Demônio na encruzilhada das Veredas Mortas: 

“Meu corpo era que sentia um frio, de si, frior de dentro e de fora, no me rigir. Nunca em minha vida eu não tinha sentido a solidão duma friagem assim. E se aquele gelado inteiriço não me largasse mais.” (pag. 399 da 2a. edição). 

Ao se encarnar em corpo humano, o Diabo treme de frio.

Falando em pacto, lembro do bluesman Robert Johnson, de quem se diz que fez um tal acordo. E é curioso ver o depoimento de seu companheiro Johnny Shines, que viajou com ele por todo o delta do Mississipi: 

“Robert estava sempre limpo. Robert andava na estrada o dia inteiro, eu olhava para mim e estava sujo como um porco, e Robert estava sempre limpo – como, eu não sei”.

"Não suar" parece ser um atributo dos que têm ligação com o sobrenatural. Em seu livro sobre Tia Ciata e o samba carioca, Roberto Moura transcreve um depoimento sobre Hilário Jovino Ferreira, figura seminal do carnaval desde sua chegada ao Rio em 1872. Diz seu afilhado Bucy Moreira: 

“O Jovino era um espírito danado. Tinha o espírito de Don Juan, um sujeito bem apanhado. Olha, esses pretos que não suam, sabe como é? Preto enxuto, meu padrinho, tudo dessa turma, que os médicos dizem, aliás, que duram pouco. Todo negro dessa espécie tem transporte de cão, não sua, pode fazer o calor que fizer, ele tá sempre enxuto”.

Sem dúvida é uma característica étnica, de certas populações negras; mas sempre há quem faça a conexão sobrenatural. Relata Moura que Hilário Jovino “era temido como feiticeiro, considerado amigo poderoso e adversário dos mais temíveis e implacáveis, capaz de se valer dos seus diversos dotes e saberes num confronto”. 

A ausência de suor funciona (num contexto de pensamento mágico) como a ausência de reflexo no espelho ou de sombra (no caso dos vampiros). O suor é um detalhe, mas é atributo da humanidade. Quem não o tiver, não é humano.






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