Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.
sexta-feira, 3 de abril de 2009
0942) A verdade do corpo (24.2.2006)
(a cabana de Thoreau)
Quando menino li um texto sobre a vida de Sir Walter Scott, o autor de Ivanhoé (que até os 40 anos de idade eu pronunciei como se escreve, até que uma inglesa me sugeriu dizer “áivan-rú”). No fim da vida, Scott estava muito doente, e endividado pela falência de sua editora. Sua única saída para pagar milhares de libras era escrever livros e mais livros, porque todo livro seu vendia bem. Ele escrevia deitado na cama, sem forças para se levantar, gritando devido às dores horríveis. Um secretário ficava sentado ao lado, com pena e papel. Quando as dores cessavam, Scott parava de gritar e retomava a história do ponto em que havia parado, até que novo acesso de dores viesse. E assim viveu seus últimos anos (a dívida foi quitada por direitos autorais, alguns anos depois de sua morte).
Isto sempre me pareceu (e ainda me parece) um belo exemplo do domínio do espírito sobre a matéria, da força de vontade sobrepondo-se às limitações do corpo, etc. Mas podemos muito facilmente encontrar exemplos contrários, ou seja, casos em que a mente vai de encontro às necessidades do corpo. Drogas, bebida, dissipação; excesso de sedentarismo ou excesso de trabalho; falta de cuidados com a saúde. Nesses casos, não posso deixar de comparar a mente ao Governo e o corpo ao Povo. O Governo é, em tese, um subproduto do Povo, eleito para administrar seus interesses, mas bem depressinha começa a cultivar interesses próprios e egoístas – e o Povo que se dane. Com a Mente acontece a mesma coisa. Ela é um software de instruções que se destina a proteger e bem administrar o corpo, mas quantas vezes fazemos com ela justamente o contrário! Inviabilizamos nossos tímpanos ouvindo rock no walkman. Entupimo-nos de batatas Pringles e de Coca-Cola, por preguiça de comer uma refeição de verdade. Estragamos nossa vista passando o dia em frente da TV ou do computador. Et cetera.
Tem horas em que o corpo começa a dar sinais de exaustão. “Pára, pelo amor de Deus, dá um tempo, são 4 da madrugada, não tô agüentando mais”, e a Mente, como uma elite arrogante e orgulhosa, queixa-se em altos brados: “Ora que saco! Eu aqui precisando ler as últimas 100 páginas de um livro importante, e você aí atrapalhando meus estudos!” Intelectual tem esse problema. Força os limites físicos até não poder mais. Quando começam a pipocar as dores, o cansaço, o mau funcionamento, a Mente põe logo a culpa no Corpo, que é egoísta, não a deixa funcionar em paz.
Thoreau, o naturalista e escritor americano, dizia: “Se você quer ficar animado, com a mente cheia de energia, faça uma longa caminhada sob um temporal, ou através de uma floresta coberta de neve. Entre em contato com a natureza bruta. Sinta frio. Sinta fome. Sinta cansaço”. Masoquismo? Não, camaradinhas. É uma maneira de “cansar o corpo pro coração repousar”, de fazer com que a mente (que, dizem, consome 60% da nossa energia física) ajude o corpo a ficar mais forte, e vice-versa.
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