terça-feira, 31 de março de 2009

0935) O elétron e o ventilador (16.3.2006)




(nuvens de probabilidade)

A Física clássica via o átomo como um núcleo (uma porção de bolinhas agrupadas num mini-cacho de uvas, chamadas “prótons” e “nêutrons”) em volta do qual giravam velozmente bolinhas menores, como grãos de chumbo, os “elétrons”, em várias camadas sucessivas. 

O átomo era tido como um sistema solar em miniatura, e quantas histórias de ficção científica foram escritos em torno desta idéia, com espaçonaves miniaturizadas descobrindo galáxias inteiras na perna de um personagem ou no interior de uma moeda.

No meu curso primário, repetíamos com a satisfação de cientistas mirins: “Matéria é tudo aquilo que ocupa lugar no espaço”. No modelo clássico, sabia-se com muita clareza o que era a matéria (as tais bolinhas) e o que era o espaço que as continha. 

Bastaram cem anos para que o conceito de matéria fosse para o espaço, e este último se visse transformado num aspecto de algo mais complexo chamado “o continuum espaço-tempo”.

O elétron é, em vez de um objeto, uma carga de energia que se movimenta em altíssima velocidade, atraída e ao mesmo tempo mantida à distância pela energia do núcleo. 

Para descrevê-lo, os físicos usam hoje termos como “nuvem de probabilidade”, porque não se pode propriamente dizer onde ele está, mas indicar as áreas ao longo das quais ele se move, e onde é mais provável encontrá-lo. 

Sempre achei que este conceito criava um curioso misto de matéria e espaço. A nuvem-de-probabilidade nos diz que o elétron provavelmente está ali, mas ele provavelmente está em outros lugares também. 

O físico Werner Heisenberg, que em 1927 formulou o “princípio da incerteza” onde este problema foi colocado pela primeira vez, escolheu para seu próprio epitáfio a frase em alemão “Er liegt irgendwo hier”, que significa “Ele está por aqui em algum lugar”.

Acho que a melhor maneira de visualizar isto (pode não ser cientificamente exata, mas ajuda pelo menos a encarar o problema) é pensar num ventilador. 

Meu ventilador está ligado aqui sobre a mesa, e as quatro pás que ele tem, em forma de uma espécie de cruz-de-Malta, estão girando a toda velocidade. Não vejo as pás: vejo no interior da grade de proteção uma espécie de disco acinzentado que parece estremecer um pouco, e do qual se projeta uma corrente de ar. 

Este disco é uma nuvem-de-probabilidade em relação às pás do aparelho. Em qualquer instante dado elas podem estar ou não estar ali. Se vejo o disco cinzento, é porque estão; mas se através dele vejo a parte traseira do ventilador e a parede do quarto, é porque em algum momento existe ali um espaço vazio.

Assim é o elétron, algo que está-e-não-está ali. Assim, ouso dizer, é toda a matéria do Universo: meu corpo, a mesa, o computador, a parede. As cargas elétricas entre as partículas dão solidez a objetos que não são mais do que uma tempestade de cargas elétricas girando no vazio. Somos feitos de matéria e de vazio, assim como este texto é feito de manchas negras e papel branco.




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