sábado, 28 de março de 2009

0927) Política literária (7.3.2006)




(Ernest Hemingway & Fidel Castro)


Política literária é tratar cada leitor como um político trata um eleitor. 

Dar-lhe atenção, quando abordado, mesmo que não disponha de muito tempo. 

Ouvir o que o leitor tem a dizer. 

Procurar dizer-lhe algo em que ele possa ficar pensando, e que lhe seja útil. 

Tratar a imprensa com atenção, mas sem promiscuidade. 

Não misturar relações profissionais com relações pessoais. 

Tratar bem os concorrentes de hoje, que podem ser os aliados de amanhã, e vice-versa. 

Saber que tudo que se diz em público pode vir a ser lembrado e repetido (e será, com certeza, se for algo inconveniente).

Existem escritores de gênio que são péssimos políticos, e somente a genialidade faz com que sejam lembrados hoje. Em geral, quem suaviza sua escalada é um grupo de pessoas mais próximas (família, agentes literários, editores, amigos) que se encarregam de aparar arestas, administrar o cotidiano do artista, cuidar de sua imagem (porque ele não cuida), e de um modo geral fazer com que ele se dedique a fazer a única coisa que faz bem: escrever.

Outros são excelentes políticos. Guimarães Rosa, Garcia Márquez, Arthur C. Clarke, Machado de Assis, Octavio Paz, Jorge Amado, são exemplos que me ocorrem assim meio ao acaso. Indivíduos equilibrados, afáveis, bem falantes, hábeis no trato com o homem da rua, com a imprensa, com os poderosos. 

Praticaram, ao longo de suas carreiras, a difícil arte de andar no convés de um navio, em plena tempestade, sem derramar uma gota sequer do seu coquetel. Alguns foram malhados pela crítica ou perseguidos por polemistas profissionais; mas nunca sofreram sequer um “knock-down”. 

Há escritores que são assim, mas cuja obra não têm muita densidade. Estes, tipicamente, atingem o auge da glória quando em vida, mas uma vez sumidos, sumido seu charme, sumido o vigor impositivo de sua presença, some a obra também.

Fico pensando em auto-sabotadores contumazes como Edgar Allan Poe, Arthur Rimbaud, Lima Barreto... Pode-se fazer qualquer elogio a eles, menos dizer que eram hábeis na administração da própria carreira. 

Foram perseguidos por uma combinação nefasta: temperamento impulsivo, vícios, egocentrismo, ambiente preconceituoso, conflitos familiares... Sobre eles parecia pairar uma maldição cuja fórmula dizia: “Não serás popular. Conquistarás poucos admiradores, e mesmo estes acabarás afastando de ti. Muitos te admirarão; mas na hora H, ninguém estará do teu lado”.

Ser político é uma dimensão inevitável de qualquer sujeito, mesmo um pedreiro ou um balconista. Não ocorre só na literatura. 

Outras atividades nos mostram parelhas de talentos com diferentes destinos: Pelé x Garrincha, Luiz Gonzaga x Jackson do Pandeiro, Paulo Coelho x Raul Seixas. 

A diferença entre o que acontece a uns e a outros não é uma diferença de talento, mas uma diferença de habilidade política, de capacidade para administrar a si próprio. Para o público não faz muita diferença, mas para eles, fez, e muito.





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