“À noite eu rondo a cidade, a te procurar, sem encontrar...” Não há como não lembrar a canção clássica de Paulo Vanzolini, mas confesso que só pensei nela depois de chegar em casa, voltando da sessão de Ascensor para o Cadafalso, o filme de estréia de Louis Malle em 1958, e que só agora vi pela primeira vez. Durante o filme, acompanhei fascinado a peregrinação de Jeanne Moreau pelas ruas noturnas de Paris, à procura do seu amante, entrando e saindo de bares, cruzando às cegas na frente dos carros, sendo molhada pela chuva, e acompanhada na trilha sonora por um trumpete de arrancar o coração. É uma sequência famosa no cinema, que certamente influenciou cenas semelhantes com Moreau em A Noite de Antonioni e com Emmanuelle Riva em Hiroshima meu amor de Resnais.
Ascensor é um filme “noir” americano feito por um francês de 24 anos, naquela fascinante promiscuidade cultural que os intelectuais da Rive Gauche tinham (não sei se ainda a têm) com tudo que é “B” nos EUA. O clássico triângulo amoroso em que um casal de amantes mata o marido dela; a clássica trama do crime perfeito que, por causa de um detalhe minúsculo, começa a desandar numa catástrofe atrás da outra; o clássico dilema final do sujeito acusado de um crime e cujo único álibi possível é confessar que naquela hora estava em outro lugar, cometendo um crime diferente. São os clichês da pulp fiction americana, e os franceses, que aparentemente invejam a selvageria emocional dos ianques, são bons como ninguém na arte de recontá-los com classe. Ainda mais quando se dispõe, como aqui, de um fotógrafo como Henri Decae, uma atriz como Moreau e uma trilha sonora de Miles Davis.
Há uma interessante subtrama no filme: um casal de jovens, ele meio delinquente, ela meio porralouquinha, que rouba um carro e acaba cometendo um crime de morte (eles lembram um casal parecido, mas mais calejado, que ameaça os protagonistas em Totalmente selvagem de Jonathan Demme). A crítica viu nesses personagens uma espécie de embrião do casal de Belmondo e Jean Seberg em Acossado. Há uma interessante resenha de James Travers em que ele aponta como esse personagem é uma espécie de “herdeiro” do personagem central do filme, um ex-paraquedista, herói de guerra, que mata o patrão para ficar com a mulher dele. (Mais detalhes em: http://frenchfilms.topcities.com/index3.html#http://frenchfilms.topcities.com/nf_Ascenseur_pour_l_echafaud_rev.html).
A geração francesa que lutou na Guerra e participou das aventuras colonialistas (Indochina, Argélia) deixou para a geração seguinte uma “herança maldita” de violência e cinismo, bravatas patrióticas e corrosão moral. Assim como Julien não perde o hábito de matar (e dá cabo do rival/patrão), os jovens rebeldes sem causa sentem que, depois do que os mais velhos fizeram, qualquer violência gratuita “é niúma”. Estamos vendo este filme todos os dias, e algo me diz que ele não sairá de cartaz tão cedo.
Primeira vez que venho neste blog, e, sinceramente, acabo de descobrir meu próximo blog favorito.
ResponderExcluirMuito grato, espero que ele dure muito tempo ainda!