terça-feira, 17 de março de 2009

0895) As Invasões Bem Intencionadas (28.1.2006)


(Alberto Cavalcanti)

Falei ontem aqui sobre o filme Soy Cuba, uma produção de 1962 em que o soviético Mikhail Kalatozov foi a Cuba para rodar um filme comemorativo da revolução de Fidel Castro. O filme foi tão comemorativo que nem cubanos nem soviéticos gostaram. Os cubanos queixaram-se de que havia um excesso de pompa, de formalismo visual, e de que o filme não havia conseguido captar o modo de ser, o modo de sentir dos cubanos. Cuba não se reconheceu na tela, e a piada da época era chamar o filme de “Yo no soy Cuba”. A maestria técnica dos russos não foi capaz de compensar sua compreensível dificuldade de captar o espírito dos “nativos”, de fazer um filme que eles teriam feito, caso dominassem a técnica.

“Invasões Bem Intencionadas” como esta costumam produzir resultados parecidos. Aqui no Brasil, deu-se algo semelhante com a fundação da companhia Vera Cruz nos anos 1950. Desta vez não foi um acordo estatal, foi uma iniciativa privada. A Vera Cruz importou dezenas de diretores e técnicos do cinema europeu e construiu estúdios gigantescos, para tornar-se a “Hollywood brasileira”. Fotógrafos estrangeiros abriram a caixa de filtros e fotografaram os céus mais bonitos que o público brasileiro já contemplou. O resultado da aventura privada-capitalista brasileira não foi muito diferente da aventura estatal-socialista cubana. Mesmo o breve sucesso de O Cangaceiro (1953), premiado em Cannes, não deu à Vera Cruz o principal: retorno financeiro. Impotente diante de distribuidoras estrangeiras e de cadeias exibidoras acostumadas a filmes que faziam sucesso sem fazer força (leia-se: filmes americanos), a Vera Cruz naufragou.

Há semelhanças entre a vinda de Kalatozov para filmar em Cuba e a expectativa que cercou, por exemplo, a volta de Alberto Cavalcanti, brasileiro que havia se tornado diretor importante nos cinemas da França e da Inglaterra. Em momentos assim, espera-se do cineasta um “filme fundador”, um filme síntese, uma obra que reconcilie público e crítica (e que agrade tanto ao governo quanto ao mercado). É justamente essa aliança política repentina, essa convergência de interesses momentâneos, que acaba travando o filme. O cineasta fica numa situação parecida com a dos compositores de Soy Cuba, a quem encomendam uma canção “Alegre... porém melancólica. Cubana... mas universal. Tradicional... mas moderna”.

Revisitar estes filmes décadas depois de esvaziado o momento político que os gerou nos ajuda a vê-los como simples filmes, com suas histórias, suas imagens. E recuperar as virtudes que possam ter nesse aspecto. Quem nos garante que O Canto do Mar (de Cavalcanti) não acabará sendo exumado e coberto de confetes? Soy Cuba só ressuscitou porque Martin Scorsese e Francis Coppola se apaixonaram por ele, promoveram sua restauração e seu relançamento. Mas este já é outro tipo de Invasão Bem Intencionada, que comentarei noutra hora, pra não dar a impressão de que é tudo a mesma coisa.

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