terça-feira, 17 de março de 2009

0893) Camelos e robôs (26.1.2006)


(o cientista Andrew Hetherington e um jóquei-robô)

Toquei no assunto algum tempo atrás (“O robô no camelo”, 5.8.2005) e agora, numa prova do quanto esta coluna é lida internacionalmente, a revista Wired deu uma excelente matéria assinada por Jim Lewis. A história é muito simples. Os xeiques milionários dos Emirados Árabes adoram corridas de camelos no deserto; é a vaquejada deles. Jóquei de camelo tem que ser pequeno, bem levezinho, daí que eles vão no Sudão e escravizam crianças pobres para treiná-las. “Treinar” é eufemismo, porque as crianças são mal alimentadas, mal tratadas. Há jóqueis até com quatro anos de idade. São amarrados às selas, com walkie-talkies presos ao corpo, por onde os treinadores berram instruções.

Organizações humanitárias se intrometeram, e os xeiques encomendaram jóqueis cibernéticos à empresa suíça K-Team. São pequenos robôs pesando cerca de 15 quilos, com um processador de 400 MHz, rodando Linux, com GPS (localização por satélite) e monitoramento cardíaco do camelo. Uma das mãos brande o chicote, a outra segura as rédeas. Foi preciso dar uma aparência antropomórfica aos jóqueis porque de início os camelos se assustavam com aquela máquina estranha. Daí, o robô tem algo como um corpo, e uma cabeça com capacete, óculos escuros e rosto. (A cabeça é desnecessária, e oca. Todo o equipamento está no “tórax”).

Ficou tão parecido que gerou um novo problema: a religião muçulmana proíbe a representação da figura humana, não é mesmo? Lá veio uma recomendação do Primeiro Ministro muçulmano de que os bonecos não tivessem rosto, e algumas fotos da revista mostram uma máscara inquietantemente parecida com a cara do Jason de Sexta-Feira 13). Não importa. A matéria toda (com muitos detalhes divertidos) pode ser lida em: http://www.wired.com/wired/archive/13.11/camel.html.

Não é preciso ser profeta para imaginar que diversões como a vaquejada nordestina e a tourada hispânica possam no futuro recorrer a truques semelhantes. Há três fatores nesta história que estão em curva ascendente: 1) enriquecimento de potentados regionais, cada vez mais cheios de grana; 2) sofisticação e barateamento da robótica; 3) pressão das entidades de direitos humanos e dos animais, contra essas diversões bárbaras (pode incluir aqui briga-de-galos, farra-do-boi, etc.)

Problemas sociais-culturais que admitem uma solução tecnológica geralmente precisam apenas de um pontapé inicial (como o do presente caso) para se transformarem numa norma. Aquele passatempo é intensamente mobilizador das pessoas, mas envolve maus-tratos de criaturas. Na medida em que (dependendo das tarefas, das atividades requeridas) essas criaturas possam ser substituídas por robôs, elas inevitavelmente o serão, porque haverá grupos ricos e poderosos determinados a injetar rios de dinheiro nessa solução tecnológica. É, digamos, uma lei da natureza. Robôs podem ser máquinas, mas o impulso que os criou é sempre humano, demasiado humano.

Um comentário:

  1. Caro Braulio, muito mais me agradaria saber que os imbecilóides que cultuam os rodeios aqui no nosso Brasil, resolvessem substituir touros e cavalos por robôs. Que ficassem os jóqueis humanos (?!), pois que eles não são forçados a se submeter à “diversão” como o são os animais.
    Garto,
    Ruy Lopes.

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