segunda-feira, 16 de março de 2009

0889) Com quem está falando (21.1.2006)



Que me perdoem os meus numerosos amigos que ganham a vida trabalhando em agências de publicidade, mas uma coisa que me dá nos nervos é quando o anúncio se dirige a mim sem cerimônia, me interpela, me provoca, me empurra de encontro à parede, me agarra pela lapela, me sacode: “Vamos! O que você está esperando? Não fique aí parado! Corra para as Casas Franquia, e compre um Plantador de Batatas, mesmo que não precise!” 

Já fiz um curso de criação publicitária e percebi que existe um vasto catálogo de códigos a serem empregados, de acordo com o público-alvo, a faixa de consumo e outros critérios mercadológicos. 

Essa forma de interpelar, por exemplo, só funciona com o consumidor que vai à loja de eletrodomésticos comprar ventilador no crediário. 

Não funciona, por exemplo, em publicidade de cartão de crédito. Aí é preciso baixar o tom, ser afável, ser cortês, dizer que está apenas sugerindo que o cara compre, porque na verdade ele “não precisa”.

Tem um livro interessante de Arthur Schopenhauer, que já folheei na livraria, intitulado Como vencer um debate sem precisar ter razão, onde ele lista numerosas técnicas para confundir o raciocínio do oponente. 

Imagino que uma delas seja essa que a publicidade emprega com tanta freqüência: fazer o interlocutor admitir uma premissa nossa sem que ele perceba a qual conclusão queremos chegar. 

“Estou falando com você – que é um indivíduo moderno, antenado com seu tempo! Você – que sabe o que quer, e que exige sempre o melhor! Você – que sabe que tem o direito de ser feliz... Você precisa de um Plantador de Batatas! Vamos, mexa-se! O que é que VOCÊ está esperando?!”

As anedotas são as grandes parábolas metafísicas de nossa sociedade, os grandes koans cósmicos que, no altar profano de uma mesa de botequim, nos desvendam os grandes segredos filosóficos do Universo. 

Um português vai passando apressado por uma rua do Rio de Janeiro, rumo ao metrô, quando alguém chega aos gritos: “Manuel! Corre, rápido! Assaltaram tua casa em Niterói, e tua mulher foi seqüestrada!” Ele se apavora, larga no chão os pacotes e a pasta, entra num táxi, manda tocar pra lá a toda velocidade, mas quando já está no meio da ponte ele exclama: “Espera aí! Tem alguma coisa errada! Eu não sou casado, não me chamo Manuel, e não moro em Niterói!” 

É exatamente assim que devem se sentir os incautos que acreditam na voz da publicidade e compram essas besteiras que, por algumas horas, chegaram a enxergar como o objetivo final de sua vida, e a utilidade principal de seu salário.

“Os anúncios querem lhe convencer de que você pode fazer o que nunca foi feito, pode ganhar o que nunca foi ganho, e enquanto isto a vida continua a mesma à sua volta” (Bob Dylan, “It’s alright, Ma”). 

Não venham me dizer o que eu quero, ou do que preciso. Quem se dirige a alguém nesse tom é porque está a fim de impingir-lhe um Lambedor de Sabão, ou um Penteador de Macacos.







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